segunda-feira, 30 de março de 2009

Desafios para Política Externa de Angola em 2009

Desafios para Política Externa de Angola em 2009
I
Por: Belarmino Van-Dúnem*

Nos últimos anos, Angola tem clarificado as suas opções no que respeita a Política Externa, tanto ao nível regional, continental e mundial de forma geral. No ano de 2008, o MPLA propôs uma Agenda Nacional de Consenso que teve um impacto incontornável para a compreensão da Política Externa Nacional, pela primeira vez na história pós-independência de Angola, os investigadores, Professores Universitários, estudantes e todos os interessados pela área de relações internacionais obtiveram um documento público sobre as opções da política externa nacional.
No que respeita à integração económica regional, Angola continua a apostar na África Austral através da SADC e na África Central, participando no processo via CEEAC. Este constitui, no meu ponto de vista, o primeiro desafio que o Ministro Assunção dos Anjos irá enfrentar nos fóruns continentais porque a dupla filiação está proibida pela União Africana desde 2007. Sem desprimor para nenhuma delas, ambas são estratégicas para Angola, a primeira por integrar Estados com vantagens comparativas e competitivas (África do Sul e Botsuana por exemplo) e pelos avanços inquestionáveis no processo de integração económica, tendo mesmo declarado a Zona de Comércio Livre regional em Agosto de 2008, mas que Angola não aderiu por razões internas como o processo de reconstrução Nacional. A CEEAC também integra Estados estratégicos para Angola, sobretudo do ponto de vista da segurança e das potencialidades que o mercado daquela região oferece, com especial destaque para RDC que é o verdadeiro Gigante adormecido da região, tanto Austral como Central.
Só um estudo aprofundado poderá elucidar a melhor saída para o país, mas uma concertação com outros Estados para que se tome uma decisão comum não é de se descorar. Esta complexidade não se põe nas acções extras-regionais no continente. Angola tem que consolidar a sua imagem enquanto parceiro para a estabilidade e segurança, mas precisa de aliar as acções político/militares com planos de cooperação económica, cultural e social, ou seja, os famosos “Post-intervention plan”.
O reforço do pessoal nas embaixadas deve ser visto como um factor determinante para a eficiência e eficácia da política externa nacional. Para além do pessoal de carreira diplomática é necessário recorrer aos tecnocratas nacionais e estrangeiros para gizar a estratégia para cada Estado, região e continente. Ainda no continente africano, Angola aposta no reforço da cooperação nos PALOP e no Golfo da Guiné.
No que concerne as relações fora do continente, o maior desafio é a gestão política, económica, cultural e social (de modo geral) da cooperação com a China. Este Estado é um parceiro indispensável para o desenvolvimento de qualquer país em via de desenvolvimento e uma lufada de ar fresco para os Estados Ocidentais cujas economias têm conhecido uma recessão sem precedentes. Mas as consequências culturais, sociais e até políticas, à longo- prazo, devem ser bem acauteladas.
As actividades da Banca nacional, dominada pelos Bancos portugueses também deverão merecer uma análise estratégica profunda, porque constitui mau sinal a Banca portuguesa estar tecnicamente falida, mas constituir o principal parceiro nacional. Não é uma posição muito confortável servir de bomba injectora para Estados terceiros, a não ser que acções levadas a cabo pela SONAGOL em 2008 sejam alargadas com capital privado nacional.
A interacção com a diáspora nacional deve fazer parte da estratégia da Política Externa do Estado porque é necessário uma integração com angolanos residentes no estrangeiro para processo de desenvolvimento de Angola. A imagem que os cidadãos nacionais passarem poderá ser determinante para incentivar o investimento directo estrangeiro; a simpatia cultural e social e a viabilização de parcerias público/privadas, sem esquecer o respeito pelas instituições nacionais. Por outro lado, o debate “on line” deve ser reforçado porque é através de Sites como Angonoticias; Club K; Correiro Digital; Noticias de Angola e outros que se sente a força e a dedicação dos angolanos na diáspora com relação ao seu país natal.
*Professor Universitário

Ascensão e Queda de João Bernardo Vieira (Kabi)

Ascensão e Queda de João Bernardo Vieira (Kabi)

Belarmino Van-Dúnem*

Nino Vieira, como era vulgarmente conhecido, começou a sua carreira política muito cedo. Aos 21 anos de idade ingressa nas fileiras do PAIGC, movimento de libertação magistralmente liderado por Amílcar Cabral.
Na qualidade de guerrilheiro, Nino Vieira teve oportunidade de fazer formação militar intensiva na China, mas também consta no seu curriculum uma passagem por Cuba. Estas formações teóricas aliaram-se ao seu perfil de grande Comandante. Tendo se destacado como chefe militar da região de Catió, no Sul do país na fronteira com a Guine Canakri. As suas qualidades de comandante militar levaram-lhe à uma ascensão rápida, tanto no seio da guerrilha como ao nível do Partido.
Cinco anos após a sua adesão ao PAIGC, Nino vieira com a alcunha de “Kabi” chega à membro do Bureau político do Comité Central do PAIGC (1964); um ano depois já era Vice-Presidente do Conselho de Guerra e Comandante da Frente Sul. Antes dos anos 80, “Kabi” chefiou as operações militares contra regime colonial português a nível nacional, infringindo derrotas inquestionáveis ao exército colonial, chegando mesmo a ser apontado como um dos causadores do 25 de Abril que levou ao fim o regime ditatorial em Portugal.
Em 1973, a Guiné-Bissau foi a primeira colónia portuguesa em África a proclamar a sua independência, “Kabi”, investido do cargo de Presidente da Assembleia Popular Nacional, então constituída pelo PAIGC, lê a declaração de independência na histórica região de Madina do Boé. Mas apesar desta ascensão rápida e incontestável, Nino Vieira não aparece como Presidente da República. Luís Cabral, irmão de Amílcar Cabral assassinado em 20 de Janeiro de 1973, é indicado para dirigir o país, a par de Aristides Pereira para Cabo Verde.
Face à realidade, o estratega “Kabi”, permaneceu no cargo de Presidente da Assembleia Nacional, mas como grande guerreiro não coibiu-se em acumular o posto estratégico de comissário das Forças Armadas Revolucionarias do Povo (FARP). Antes de 1980, Nino Vieira já era Primeiro-Ministro (comissário principal) e Presidente do Conselho Nacional do PAIGC. A partir dessa altura estavam reunidas as condições políticas e militares para que o comandante concretizasse a sua principal ambição, a presidência da Guiné-Bissau.
Em 1980, aproveitando a onda do “Movimento Reajustador”, Nino Vieira destituiu o então Presidente da República, Luís Cabral, através de um Golpe de Estado. Tendo o poder nas mãos, “Kabi” reajustou o Estado guineense a sua medida: pressões arbitrárias; execuções sumárias; corrupção; nepotismo; alianças étnico/tribais e afastamento de qualquer tipo de oposição, tanto no seio do partido como a nível da sociedade civil ou qualquer outro tipo de manifestação adversa ao poder central. Se essas acções podem levar à consolidação do poder, não deixa de ser verdade que também criam muitos inimigos.
O grande “handicap” de Nino Vieira para o domínio total das forças armadas é o facto de pertencer a etnia papel e o grosso do exército guineense ser da etnia balanta, maior grupo étnico/linguístico do país. Mesmo com algumas rivalidades a sua volta, o Presidente conseguiu resistir, o país estava de rastos, as reclamações começavam a se tornar públicas e abertas, tal como os ventos da democracia que sopravam de forma irresistível. Convencido pelo tempo, Nino Vieira anunciou a abertura democrática e, em 1994, realizaram-se as primeiras eleições multipartidárias na Guiné-Bissau. Nino Vieira e o PAIGC saíram vencedores, mas a clivagem étnica esteve presente, enquanto o partido venceu sem grandes dificuldades, o Presidente teve que enfrentar uma segunda volta com um opositor da etnia maioritária, Kumba Yalá.
Apesar das eleições, as dificuldades de Nino Vieira não pararam de aumentar. Em Maio de 1997, a Guiné-Bissau ficou paralisada com uma greve geral. Um ano mais tarde, 1998/99, o país entrou numa crise nunca antes vista. Tudo começou com acusações vindas do Senegal, alegando que as mais altas chefias da Guiné-Bissau estavam envolvidas no tráfico de armas a favor do grupo rebelde de Casamansa. As acusações chegavam até ao Presidente da República, mas tentando sacudir a água do capote, Nino Vieira apontou o dedo ao então Chefe do estado-maior, Brigadeiro Assumane Mane que refutou as acusações e retribuiu as responsabilidades do tráfico ao Presidente da República.
Não satisfeito, Nino Vieira assina um decreto presidencial a exonerar o Chefe do estado-maior. Sem grandes dificuldades, o Brigadeiro Assumene criou uma junta militar que provocou a maior crise que Nino Vieira alguma vez enfrentará enquanto Presidente da República. Os balantas, que nunca perdoaram o Presidente por ter detido e mandado executar em 1986 o seu Vice-Presidente, Paulo Correia (balanta) e outros elementos sob acusação de tentativa de golpe de Estado, viram uma soberana oportunidade de tirar Nino Vieira do Poder.
Mesmo com o apoio militar da Guiné Conakry e do Senegal, Nino Vieira teve que se exilar em Portugal onde permaneceu 9 anos. Na sequência, os balantas conseguiram colocar um conterrâneo no poder, Kumba Yalá que havia sido derrotado em 1994, mas em 2000 é eleito na primeira volta Presidente da Guiné-Bissau. Yalá fez uma administração desastrosa que levou a execução do Brigadeiro Assumane Mané e a sua retirada do poder, por golpe de estado em 2003.
Ao contrário de Luís Cabral, “Kabi” não esqueceu o poder. Com o Golpe de 2003 aproveitou para voltar ao poder e ajustar contas com os antigos adversários e todos que o traíram na sua ausência. Tendo vencido as eleições, em 2005, começou a arrumar a casa ao bel-prazer. A primeira vítima foi o seu antigo colaborador directo, Carlos Gomes Júnior, demitido do seu cargo de Primeiro-Ministro, depois tentou mexer onde não devia. Rivalizando publicamente com o Chefe do Estado-Maior, Tagmé Na Waie (balanta), com o precedente de ter demitido o Chefe do estado-maior da Marinha, Bubu Na Tchuto (balanta) acusado de tráfico de droga, Nino Vieira teve os seus dias contados.
Na madrugada do dia 2 de Março de 2009, João Bernardo Vieira (Nino) foi assassinado a tiro. Na origem esta a suposta ligação directa ao atentado a bomba que vitimou o seu adversário Tagmé Na Waie. O Guerrilheiro “Kabi” não conseguiu escapar como acontecia até então, sucumbiu da mesma forma como chegou ao poder: pela força das armas e com a etnia balanta sempre no seu encalço. Um amigo meu, cidadão guineense contou que a mãe do Presidente Nino dizia: “enquanto eu estiver viva o meu filho será sempre o Presidente deste país”. Mas será que os balantas estarão representados na política guineense com um Presidente da República? A ver vamos.

* - Analista para a Política Internacional
- Coordenador do Departamento de Relações Internacionais da
Universidade Lusíada de Angola