quarta-feira, 6 de maio de 2009

REFORMAS NA PASSAGEM DA OUA PARA UNIÃO AFRICANA


Belarmino Van-Dúnem*

A reforma mais assinalavel na passagem da UA para OUA está nos objectivos preconizados: O artigo 3º, alínea b estabelece “o respeito pela soberania, integridade territorial e a independência dos Estados membros” e o artigo 4º, alínea g, “A não ingerência, por parte dos Estados membros, nos assuntos internos de outros Estados”. Esses artigos a semelhança do artigo 3º, alíneas 1, 2, e 3 da Carta da OUA, poderiam constituir um empecilho para organização na resolução dos conflitos internos a nível do continente porque a maior parte dos conflitos violentos que ocorreram e, em alguns casos, continuam são de carácter interno, facto que pode levar as partes envolvidas a invocar a sua condição de Estado soberano para impedir a intervenção de actores exteriores na resolução dos conflitos.
Mas com a transição para UA essa situação é ultrapassada, tanto nos objectivos firmados como a nível dos princípios. A alínea f, “ promover a paz, segurança e a estabilidade no continente”; e alínea g, “ promover e proteger os direitos humanos e dos povos de acordo com a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e outros instrumentos relevantes dos direitos humanos”.
A nível dos princípios a alínea d, “estabelecimento de uma politica de defesa comum para o continente africano”; alínea h, “o direito da união intervir nos Estados membros consoante decisão da assembleia perante circunstâncias graves, nomeadamente crimes de guerra, genocídio e crimes contra a humanidade”; alínea j, “ direito dos Estados membros solicitarem a intervenção da união com ordem para restaurar a paz e a segurança; alínea m, “respeito pelos princípios democráticos, direitos humanos, as regras da lei e a boa governação”; os pressupostos do artigo 3º fazem da União Africana uma organização com condições institucionais para intervir com maior legitimidade nos conflitos a nível do continente, procedimento que constituía a principal lacuna da OUA. O estabelecimento dos objectivos e princípios acima transcritos demonstram também que os Estados africanos chamam a si a responsabilidade de resolução dos conflitos violentos no continente.
Com vista a estruturar a UA com meios para efectivar a prevenção, resolução e pacificação de conflitos violentos no ano 2000 em Lusaka, capital da Zâmbia, os Chefes de Estado e de Governo de África decidiram dotar a organização com o Mecanismo de Prevenção, Gestão e Resolução de Conflitos como uns dos órgãos centrais da união.
Com a adopção do Órgão Central de Prevenção, Mediação e Resolução de Conflitos a UA ficou munida com um órgão cujo único objectivo é a resolução de conflitos violentos no continente. O objectivo principal desse órgão é de adoptar medidas adequadas que permitam a União ter acções proactivas que efectivem a prevenção, gestão e resolução de conflitos.
Em Julho de 2002 realizou-se em Durbam, África do Sul, a primeira cimeira ordinária dos Chefes de Estado e do Governo da União Africana. Nessa cimeira foi adoptado o “Protocolo Relativo ao Estabelecimento do Conselho de Paz e Segurança da União Africana”. Segundo o artigo 2º, alínea 1-“…a peace and security council within the union, as a decision-making organ for the prevention, management, and resolution of conflict. The security council shall be a collective security, and early-warning arrangement to facilitate timely and efficient response to conflict and crisis situations in Africa; 2- The peace and Security Council shall be supported by the commission, a panel wise, a continental early-warning system an African standby force, and a special fund”.
Segundo o artigo 3º o CPS tem os seguintes objectivos:
promote peace, security and stability in Africa, in order to guarantee the protection and preservation of life and property, the well-being of the African people and their environment, as well as the creation of conditions conducive to sustainable development;
Anticipate and prevent conflicts. In circumstances where conflicts have occurred, the Peace and Security Council shall have the responsibility to undertake peace-making and peace-building functions for the resolution of these conflicts;
c. promote and implement peace-building and post-conflict reconstruction activities to consolidate peace and prevent the resurgence of violence;
d. co-ordinate and harmonize continental efforts in the prevention and combating of international terrorism in all its aspects;
e. develop a common defence policy for the Union, in accordance with article 4(d) of the Constitutive Act;
f. Promote and encourage democratic practices, good governance and the rule of law, protect human rights and fundamental freedoms, respect for the sanctity of human life and international humanitarian law, as part of efforts for preventing conflicts.
O estabelecimento do Conselho de Paz e Segurança (CPS) dentro da estrutura da UA reverte-se de grande importância porque através dele a organização está em melhores condições para diagnosticar e agir antecipadamente com vista à resolver potenciais crises que possam ocorrer no continente.
Os pressupostos estabelecidos no artigo 3º do Acto Constitutivo da União Africana constituem uma reforma significativa nos princípios que até então norteavam a OUA. Com o princípio de não intervenção nos assuntos internos, a mediação para pacificação e resolução de conflitos só era possível com o consentimento das partes envolvidas. Mas esse princípio foi ultrapassado. AU reserva-se o direito de intervir, por indicação da Assembleia-geral dos Chefes de Estado e do governo caso seja conveniente ou estejam em causa os seus princípios.
Para além dos progressos já mencionados, a UA apresenta outros progressos significativos no que se refere a prevenção e resolução de conflitos. O artigo 7º atribui os seguintes poderes ao CPS:
a. anticipate and prevent disputes and conflicts, as well as policies that may lead to genocide and crimes against humanity;
b. undertake peace-making and peace-building functions to resolve conflicts where they have occurred;
c. authorize the mounting and deployment of peace support missions;
d. lay down general guidelines for the conduct of such missions, including the mandate thereof, and undertake periodic reviews of these guidelines;
e. recommend to the Assembly, pursuant to Article 4(h) of the Constitutive Act, intervention, on behalf of the Union, in a Member State in respect of grave circumstances, namely war crimes, genocide and crimes against humanity, as defined in relevant international conventions and instruments;
f. approve the modalities for intervention by the Union in a Member State, following a decision by the Assembly, pursuant to article 4(j) of the Constitutive Act;
g. institute sanctions whenever an unconstitutional change of Government takes place in a Member State, as provided for in the Lomé Declaration;
h. implement the common defence policy of the Union;
i. ensure the implementation of the OAU Convention on the Prevention and Combating of Terrorism and other relevant international, continental and regional conventions and instruments and harmonize and coordinate efforts at regional and continental levels to combat international terrorism;
j. promote close harmonization, co-ordination and co-operation between Regional Mechanisms and the Union in the promotion and maintenance of peace, security and stability in Africa;
k. promote and develop a strong "partnership for peace and security" between the Union and the United Nations and its agencies, as well as with other relevant international organizations;
l. develop policies and action required to ensure that any external initiative in the field of peace and security on the continent takes place within the framework of the Union’s objectives and priorities;
m. follow-up, within the framework of its conflict prevention responsibilities, the progress towards the promotion of democratic practices, good governance, the rule of law, protection of human rights and fundamental freedoms, respect for the sanctity of human life and international humanitarian law by Member States;
n. promote and encourage the implementation of OAU/AU, UN and other relevant international Conventions and Treaties on arms control and disarmament;
o. examine and take such appropriate action within its mandate in situations where the national independence and sovereignty of a Member State is threatened by acts of aggression, including by mercenaries;
p. support and facilitate humanitarian action in situations of armed conflicts or major natural disasters;
q. submit, through its Chairperson, regular reports to the Assembly on its activities and the state of peace and security in Africa; and
r. decide on any other issue having implications for the maintenance of peace, security and stability on the Continent and exercise powers that may be delegated to it by the Assembly, in accordance with Article 9 (2) of the Constitutive Act.
O facto da UA estabelecer que um dos objectivos principais do CPS é a prevenção de situações que possam provocar conflitos violentos ou abusos contra os direitos humanos como uma das suas prioridades permitirá agir antecipadamente, evitando deste modo que a situação se torne incontrolável, ou seja, a UA passou de uma filosofia predominantemente reactiva, que caracterizava a OUA, para uma postura mais proactiva. Um outro progresso assinalável da UA em relação a OUA é a preparação da organização para tomar medidas que possam consolidar a paz depois do conflito (post-conflict building).
Uma das principais lacunas das intervenções feitas pelas organizações regionais para a resolução, prevenção e pacificação de conflitos é a assistência aos países afectados depois do conflito. Esse facto se verifica a nível institucional, infraestrutural e na reorganização das forças de segurança.
Para efectivação dos mecanismos acima expostos, o Acto Constitutivo da UA estabelece que a sua constituição estará estruturada com uma força multilateral em “standby”. Essa força será composta por contingentes militares e civis estacionados nos países de origem prontos para intervir caso forem solicitados pelo CPS com autorização da Assembleia-Geral dos Chefes de Estado e de Governo da UA. Os mandatos previstos dessa força vão desde missões de observação e monitorização de cessar-fogo, cumprimento de acordos de paz, supervisão de eleições até a assistência humanitária às populações civis em áreas afectadas por conflitos ou desastres naturais (artigo 13º do Acto Constitutivo da UA).
A nova estrutura da UA está melhor preparada para levar a cabo acções de prevenção e resolução de conflitos no continente. A ONU, UE, EUA, França, Reino Unido e vários países ocidentais disponibilizaram-se a cooperar com a UA com meios financeiros, materiais e formação com o intuito de permitir o cumprimento dos objectivos preconizados.
Na cimeira da União Africana em 2003 na cidade Maputo, Moçambique, a UE fez a concessão de 10 milhões de euros para os programas de manutenção de paz da UA em colaboração com as organizações regionais. Mas já em 2002 a Comissão Europeia incluiu a prevenção de conflitos como um dos sectores identificados para o apoio do Fundo Europeu para o Desenvolvimento (FED) nos programas Indicativos Regionais (PIGs) dos Estados ACP.
Em Maio de 2003, os Ministros da Defesa dos Estados Africanos acordaram que a Força Africana em “Standby” (FAS) teria a seguinte estrutura:
- A força será constituída por cinco divisões sub-regionais. Cada uma das divisões deverá ser constituída por 3000 a 4000 efectivos, que no seu conjunto atingirão os 15000 a 20000 efectivos militares;
- Entre 300 a 500 observadores militares, pertencentes aos contingentes sub-regionais, serão treinados e capacitados para responder as solicitações num prazo máximo 14 dias após a notícia;
- Entre os efectivos de cada contingente sub-regional 240 serão forças policiais com capacidade para manter a ordem nas regiões pacificadas;
- Para além das forças armadas, os contingentes serão compostos por civis especializados em administração, direitos humanos, ajuda humanitária, governação, desarmamento, desmobilização e reintegração.
- A FAS estará preparada para intervir nos seguintes cenários:
I – Conselho Militar para missões politicas;
II – Missões em colaboração com as missões de manutenção de paz da ONU;
III – Missões de observação unilaterais determinadas pela UA;
IV – Missões de manutenção da paz e de prevenção de conflitos;
V – Operações de paz multi-dimensionais;
VI – Missões de imposição da paz;
Segundo o acordo as FAS serão implementadas em duas fases:
I – Capacitação das FAS para desenvolver missões de observação de acordo com os cenários I e III, essas forças deverão estar operacionais até meados de 2005;
II – Capacitar a FAS para desenvolver operações de acordo com os cenários II, IV, V e VI, o ano 2010 foi fixado como limite para atingir esse objectivo (Cedrique de Coning 2005).
A FAS permitirá à União Africana ter uma maior efectividade nas acções de resolução, prevenção e pacificação de conflitos no continente sem estar dependente de contingentes enviados por Estados extra-continentais. A FAS poderá servir também para operações de paz determinadas pela ONU.
A falta de meios materiais e humanos tem sido uma das principais causas da pouca efectividade das operações de paz tanto da ONU como das organizações regionais e sub-regionais, como é o caso da CEDEAO e da SADC por exemplo. A disponibilidade dos parceiros internacionais para apoiar a UA com recursos financeiros, matérias e capacitação técnica deixa antever que os objectivos da UA terão melhor efectivação.
*Professor Universitário e Analista de Politica Internacional

Darfur – O Fim do Braço-de-Ferro

Darfur – O Fim do Braço-de-Ferro
Belarmino Van-Dúnem*
09/06/2007
Depois muitos recuos, o governo do Sudão decidiu aceitar a aplicação de uma força híbrida entre a União Africana e as Nações Unidas. O acordo foi alcançado no dia 12 de Junho de 2007, em Addis-Abeba, capital da Etiópia, entre o Sudão, a ONU e a União Africana.
As autoridades do Sudão negaram o envio desta força mista (ONU/UA) a praticamente um ano. Mas a pressão da comunidade internacional conseguiu enfraquecer a relutância das autoridades de Kartum. Os países árabes, a China, a Rússia, a Eritreia e alguns países africanos também mostraram a sua solidariedade às autoridades sudenesas, facto que contribui para a persistência do Sudão em negar uma força da comunidade internacional na região de Darfur.
No princípio do mês de Junho, o presidente americano, George W. Bush, anunciou a aplicação de sanções adicionais, caso a situação nesta região africana não melhorasse. O anúncio foi recebido com cepticismo pelo Sudão e pelos seus aliados. A Líbia, o Egipto, a China e o Chade manifestaram oficialmente a sua oposição à aplicação das referidas sanções. O Secretário-Geral da ONU também expressou o seu desacordo em relação ao projecto americano, afirmando preferir a via diplomática.
Embora as autoridades de Kartum continuem a afirmar que ignoram a ameaça da maior potência do mundo, a verdade é que, finalmente, a força conjunta ONU/UA irá brevemente para a região de Darfur sem qualquer interdição por parte do governo do Sudão, apesar do seu porta-voz ter declarado que a força terá que ser composta maioritariamente por países africanos.
A força de imposição/manutenção da paz será composta entre 17.500 a 19.600 soldados e cerca de 6.000 polícias. Actualmente a União Africana mantém uma força de cerca 7.000 soldados sem qualquer capacidade para pôr fim a violência na região, alias, têm sido vítimas do fogo cruzado em Darfur. Os países africanos já mostraram que não têm capacidade ou disponibilidade para participar em missões de manutenção da paz.
Mas o Egipto e a China já manifestaram disponibilidade para integrar a futura força híbrida ONU/UA para o Sudão cuja principal missão será a pacificação da região e a facilitação da prestação de ajuda humanitária às populações deslocadas e das regiões directamente afectadas pelo conflito.
Há quem defenda que a chave da solução está na formação de uma “Troika” composta pelos Estados Unidos, a França e a China porque são os Estados que mais interesses têm no Sudão e com capacidade de influência sobre Kartum.
A França tem grande interesse na estabilização do Sudão porque dois dos seus principais aliados da região, o Chade e a República Centro Africana têm sido afectados pelo conflito. Os Estados Unidos da América acusam o Sudão de estar a ser palco de genocídio e, possivelmente, a albergar grupos terroristas. A China, por sua vez, é o principal aliado do Sudão e tem interesse na resolução do conflito em Darfur porque as criticas da opinião pública são cada vez mais fortes. Com a realização dos jogos olímpicos em 2008 é necessário uma boa imagem. Por outro lado, o Sudão é cliente privilegiado da China na compra de armas e metade da produção petrolífera do Sudão vai para China.
A crise de Darfur já vai no seu terceiro ano consecutivo. Durante este período, o Conselho de Segurança da ONU adoptou onze resoluções, a última das quais é a resolução 1706 de 31 de Agosto de 2006 que previa a passagem da missão confiada à União Africana em 2004 para a organização das Nações Unidas, mas o braço-de-ferro prolongou-se até a data.
Segundo as estatísticas disponíveis, o conflito de Darfur já causou cerca de 200.000 vítimas mortais e mais de 2,1 milhões de deslocados. Esta situação provocou manifestações em todo mundo, principalmente nos países ocidentais, onde a sociedade já está mais madura e desempenha o seu papel de moralizadora das acções do governo, sobretudo a nível da política externa.

*Analista de política internacional