segunda-feira, 8 de junho de 2009

EUA: Da Estratégia Militar à Ajuda para o Desenvolvimento

Belarmino Van-Dúnem (*)

Os Estados Unidos da América só estabeleceram uma política específica para África em 1958, ano em que foi criado o “US State Department’s Bureau of African Affairs”. A política norte-americana para África, desde os finais da década de 50 até aos anos 80, tinha como base o apoio a líderes africanos e movimentos insurrecionistas que tivessem posições anticomunistas ou se declarassem como tal. Portanto, a contenção do comunismo e da expansão da URSS constituíam as principais preocupações dos EUA.
A intervenção americana em África era feita por várias vias:
- Ofertas económicas e ajuda militar (Assistência técnica e material bélico);
- Imposição de sanções económicas contra líderes comunistas e/ou apoiados pela URSS;
- Intervenções directas através da CIA (Central Intelligency Agency), planeando acções contra líderes comunistas ou próximos da URSS. Entre essas acções, podem ser destacados o apoio norte-americano dado a Mobutu Sese Seko para o assassinato de Patrício Lumumba, então primeiro-ministro do Zaire, actual RDC (Peter J. Schraeder 1996:191). A cooperação norte-americana com o Zaire (RDC) e com a África do Sul na década de 70, para além dos interesses económicos, tinha como principal finalidade fazer desses Estados parceiros para a contenção do comunismo na região Austral de África.
O fim da Guerra-Fria provocou mudanças na política norte-americana para África. O fim da ameaça soviética fez com que os apoios que muitos Estados e grupos armados recebiam dos EUA fossem reduzidos. Esse facto fez com que a política na área militar fosse substituída por uma política de apoio institucional com critérios, como a boa governação por exemplo, que deixavam de fora a maioria dos Estados africanos.
Quando a administração Bush (pai) tomou posse em 1989, a assistência, que era dada a alguns países no âmbito da Guerra Fria, já tinha terminado, mas a assistência para o desenvolvimento económico e social continuou. Em consequência disso, o Gabinete do Departamento do Estado para os Assuntos Sociais esteve muito activo na intervenção diplomática para a resolução de conflitos em África.
A relação entre a ajuda americana para África e a Guerra Fria pode ser confirmada com os dados apresentados por Raymond W. Copson (2002), “A assistência americana para África atingiu o seu máximo em 1985 com cerca de 2,5 biliões de dólares. Esse valor baixou para cerca de 1,3 biliões em 1990, valor que se manteve até 2001. Os apoios avultados durante os anos 80 reflectem a intensificação da Guerra Fria, em que a competição entre os EUA e a ex-URSS, a nível internacional, estava no auge”. Segundo o autor, o fim da competição entre os EUA e a ex-URSS provocou o fim do continente africano como região estratégica, levando a diminuição da ajuda americana para África. Entre 1985 e 1994, a assistência militar norte-americana para África baixou de USD 279.2 milhões para USD 3.8 milhões, sem contar com os USD 2 milhões concedidos anualmente ao Egipto. O Fundo de Apoio Económico também diminuiu nesse período de USD 452.8 milhões em 1985 para USD 15 milhões em 1994. Mas é de realçar que a ajuda para o desenvolvimento teve um aumento de USD 1.14 biliões no ano fiscal de 1984 para USD 1.34 em 1994.
A administração Clinton, em 1995, deu continuidade à lógica de diminuição da ajuda para a área da segurança em África. No seu primeiro orçamento, a ajuda para África foi estruturada em quatro categorias:
- Desenvolvimento Sustentável (USD 990 milhões)
- Assistência Humanitária (USD 68.3 milhões)
- Construção da Democracia (USD 23.8 milhões)
- Promoção da Paz [USD 0.5 milhão] (Schraeder 1996:194).
A partir de 2001, o continente africano passou a ser contemplado pela ajuda americana no âmbito da luta global contra o terrorismo. O fortalecimento das instituições democráticas e a boa governação passaram a ser os critérios para a elegibilidade dos Estados que beneficiavam da ajuda.
A administração americana criou um conjunto de programas que incluíam o apoio directo aos Estados africanos e através de instituições internacionais. As áreas prioritárias passaram a ser: reforma económica, direitos humanos, educação para a democracia e outros objectivos sociais. Para a efectivação desses programas, o Governo norte-americano criou um conjunto de programas específicos para cada área: para fins sociais e económicos, foi criado o Economic Support Fund (ESF); para os programas de manutenção da paz PKO (Peace-Keeping Programmes); para responder às iniciativas de resposta às crises em África ACRI (African Crisis Response Initiateve); para o fortalecimento da capacidade de manutenção da paz, o financiamento tem sido feito através do Foreign Military Financing (FMF); No que concerne à educação militar, os EUA criaram o International Military Education and Training (IMET) que tem servido para a luta contra o HIV/Sida no seio das forças armadas africanas; para as operações de manutenção da paz, foi criado o CIPA (Contribution to International Peacekeeping Activities). É no âmbito desse programa que os EUA têm financiado as operações de paz da ONU em África. As operações de paz da ONU na Serra Leoa, ao longo da fronteira entre a Etiópia e a Eritreia e na RDC são alguns exemplos.
A ajuda para o fortalecimento das instituições democráticas do Estado, desenvolvimento económico, erradicação do analfabetismo, a luta contra a expansão do HIV/Sida e, sobretudo, contra regimes radicais propensos à implementação ou desenvolvimento de grupos terroristas são, sem dúvida, as prioridades da administração de Jorge W. Bush. O programa Millenium Challeng e Account é disso um exemplo. Continua…


* Professor Universitário – especialista em
Assuntos Africanos

BRASIL TRANSGRIDE A PRÓPRIA LEI DE ACESSO AO SEU TERRITÓRIO

Por: Belarmino Van-Dúnem*

A lei Nº 9.076, de 10/07/95 que define o Estatuto do Estrangeiro no Brasil não prevê outros condicionalismos para entrar em território nacional se não o visto concedido pelo consulado. Segundo o artigo 1° “Em tempo de paz, qualquer estrangeiro poderá, satisfeitas as condições desta Lei, entrar e permanecer no Brasil e dele sair, resguardados os interesses nacionais”. Portanto, fazendo fé nas declarações do Embaixador do Brasil em Angola (Os Vistos apresentados pelos cidadãos angolanos impedidos de entrar no território brasileiro são autênticos) e, tendo a certeza de que aqueles cidadãos não perigavam, nem perigam a segurança nacional brasileira não existe matéria legal para impedir o acesso ao território brasileiro e o consecutivo repatriamento.
O Artigo 2º da mesma lei estabelece: “Na aplicação desta Lei atender-se-á precisamente à segurança nacional, à organização institucional, aos interesses políticos, socio-económicos e culturais do Brasil, bem assim à defesa do trabalhador nacional”. Atendendo à esses pressupostos cabe analisar qual deles está na base das acções que as autoridades brasileiras têm tido com relação aos angolanos, mas também é necessário reflectir, com base nos interesses superiores nacionais de Angola, quais as melhores acções para ultrapassar a situação de tensão que está a criar um certo mal-estar e repugnância na sociedade angolana.
O artigo 4º define os seguintes tipos de visto: I - de trânsito; II - de turista; III - temporário; IV - permanente; V - de cortesia; VI - oficial; e VII - diplomático. A leitura que se pode fazer da definição do Estado brasileiro para estes vistos, os cidadãos angolanos, na situação aqui analisada, só poderiam ter o segundo tipo de visto, ou seja, o visto de turista. Tendo em consideração que, à luz do artigo 9º da mesma lei “O visto de turista poderá ser concedido ao estrangeiro que venha ao Brasil em carácter recreativo ou de visita, assim considerado aquele que não tenha finalidade imigratória, nem intuito de exercício de actividade remunerada”.
Já é do conhecimento público que a maior parte dos cidadãos angolanos impedidos de entrar em território brasileiro, com visto legal, pretendia fazer compras com o intuito de revender em Angola, portanto pode ser considerado que aqueles cidadãos iam em negocio e possuíam visto de turismo, mas não deixa de ser verdade que, a lei aqui analisada até ao momento não prevê visto de negocio. Poderíamos concluir que os cidadãos angolanos que pretendam deslocar-se ao Brasil para o efeito (fazer compras) não têm outra alternativa legal.
Mas o site da embaixada do Brasil em Luanda – sector consular (consulta feita aos 04/02/09 - 20h:30), na categoria dos vistos temporais, estabelece um visto de negócios (visto temporário II – Negocio), este visto pode ser concedido aos cidadãos “que viagem ao Brasil sem remuneração em território nacional”. Nesta categoria de visto enquadram-se perfeitamente os cidadãos angolanos que se deslocaram ao Brasil e foram impedidos de entrar naquele território, sendo repatriados sem justa causa, portanto um atropelo flagrantes ao direito internacional que estabelece as relações entre os Estados.
Na secção desta categoria de visto (visto temporário II – Negocio), há um item, destacado a “negrito” (Compras – Trabalho informal) cuja documentação exigida para à concessão do mesmo visto é a seguinte: cartão de vendedor ambulante; cartão de contribuinte; DAR; cópia do alvará e; carta do local de trabalho (mercado); os emolumentos consulares são de US$ 60 (sessenta dólares) e US$ 10 (dez dólares) adicionais caso a documentação dê entrada no consulado por via de terceiros que estejam em condições legais de o fazer.
O site da Embaixada do Brasil em Luanda não apresenta qualquer outra condição para entrar em território brasileiro se não o visto. Alias, segundo a lei federal brasileira “o visto é uma permissão federal que o Brasil concede para que o estrangeiro possa ingressar no País”. Portanto, se os cidadãos angolanos impedidos de entrar em território brasileiro possuem o visto, elemento essencial e legal para ter acesso ao território brasileiro e estavam acompanhados do Certificado Internacional de Vacinação contra a Febre Amarela, cuja falta implica o impedimento de entrada em território brasileiro e respectivo repatriamento, as pessoas deviam terminar a sua viagem sem qualquer impedimento. Portanto, só a falta daquele certificado ou qualquer outro comportamento doloso à lei brasileira e/ou internacional poderia justificar o ocorrido.
Se legalmente não existe qualquer justificação para as autoridades brasileiras agirem como tal, o que estará a motivar essas acções? Qual deve ser a posição do Estado angolano e dos cidadão directamente visados?
Uma primeira explicação pode estar no novo posicionamento de Angola com relação à migração. Actualmente o território angolano é um destino de imigração e, atendendo à este facto as autoridades brasileiras podem estar a reagir contra às regras que existem para à concessão de vistos aos cidadãos daquele Estado que os permita entrar no território angolano. Lembremos que o Embaixador brasileiro acreditado em Angola fez questão de frisar que “nos últimos cinco meses deste ano já foram concedidos mais de 13 mil vistos a cidadãos angolanos, principalmente para turismo, negocio e estudo”; afirmou também que “em 2008 houve momentos em que foram concedidos cerca de mil vistos de curta duração a angolanos por semana”, e que o Brasil, de forma unilateral, decidiu conceder vistos de curta duração com múltiplas entradas com a validade de um ano aos cidadãos angolanos.
Todos esses argumentos podem espelhar alguma frustração no que se refere à um tratamento igual. Mas é evidente que as condições e os interesses dos cidadãos brasileiros que pretendem entrar no território angolano não são as mesmas que a dos angolanos que viajam para o Brasil. Portanto, pode existir a intenção de criar alguma tensão para que o Estado angolano tome uma outra medida com relação ao cidadãos brasileiros, alias, o Brasil fez o mesmo com Portugal e conseguiu os seus intentos.
O Estado angolano deve analisar a situação atendendo os mais altos interesses nacionais e protegendo os seus cidadãos contra humilhações ou qualquer outro tipo de tratamento que fragilize a imagem do país e atropele as leis internacionais que estabelecem as relações diplomáticas e consulares, nomeadamente as convenções de Viena de 1961 e a de 1963. Mas também deve atender aos fundamentos da política externa, nomeadamente, à efectividade da acção a ser tomada e aos interesses económicos de médio/curto prazo.
Os cidadãos visados devem exigir uma indemnização pelos danos materiais/morais causados e procurar todos o meios legais para que seja respeitada a lei brasileira de acesso aquele território. Caberá também às organizações da sociedade civil em Angola dar o apoio necessário para que tal se concretize, auxiliando o governo angolano na defesa dos direitos dos cidadãos nacionais. Estariam mostrar que são, de facto, organizações da sociedade civil e defensores dos direitos humanos e/ou civis.
As autoridades brasileiras estão a transgredir a sua própria lei. O repatriamento dos cidadãos angolanos nessas condições constitui uma falta de coerência com base no reconhecimento e na reciprocidade de tratamento já que os cidadãos angolanos estavam legalmente documentados. Não tendo justificação legal, oficial e plausível, o Brasil está a desenvolver acções que podem ser classificadas como Patologia Diplomática, reprováveis à luz do Direito Internacional. Urge voltar à diplomacia legal, ao diálogo, a informação e a negociação para se ultrapassar esta situação pouco amigável e deselegante que não coincide com a imagem do Brasil perante os angolanos nem com os laços históricos e sociais existentes entre os dois Estados.
* - Professor Universitário
- Especialista em Assunto Internacionais