sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

O PANAFRICANISMO NA FIGURA DE AGOSTINHO NETO

O PANAFRICANISMO NA FIGURA DE AGOSTINHO NETO
POR: BELARMINO VAN-DÚNEM
O Panafricanismo africano tem as suas origens no combate iniciado pelos negros americanos e antilhanos contra a dominação por parte da pessoas de raça branca. Este movimento começou no século XIX, mas rapidamente os afro-americanos compreenderam que a mesma opressão era vivida pelos seus ancestrais no continente africano e, a exportação do idealismo da igualdade foi expandido para África.
O panafricanismo no continente Americano apresentou várias facetas, alguns percusores, como William Edward Burghardt Du Bois preconizava uma igualdade de direitos entre brancos e negros sem qualquer discriminação de raça, origem social ou credo religioso. Mas outros, como o Jamaicano, Marcus Garvei, eram mais radicais e defendiam o retorno de todos os afro-americanos para o continente da sua origem (Yacouba Zerbo 2005:20). Até ao finais do Sec. XIX, o panafricanismo aparece como protesto, reclamação de inclusão e um certo saudosismo de terra que já não existia: África unida, com os seus reinos autónomos e tradicionais, com as suas politicas e organização própria.
Embora, Henry Sylvester Wllliam, tenha sido o primeiro a reclamar a extensão dos direitos de igualdade para lá do Atlântico, quando na conferência de Londres, em 1900, fez as seguintes reivindicais:
- Assegurar os direitos civis e políticos dos africanos em todo o mundo;
- Melhorar as condições dos africanos em qualquer lugar onde se encontrem;
- Promover esforços para assegurar uma legislação efectiva e encorajar os povos africanos nas empresas educativas, industriais e comerciais e;
- Incrementar a cooperação entre os três Estados negros: Haiti, Abissínia e Libéria, através do envio de um memorando aos Chefe de Estado dos três Estados, sublinhando a necessidade urgente de consolidarem os seus interesses e combinarem os esforços no plano diplomático (Michel Kounou 2007:107).
Na conferência de Londres há uma espécie de desejo de integração e igualdade entre todas as raças e não independência, autonomia e separação dos povos africanos em relação a dominação Ocidental branca. Portanto, a autodeterminação, a independência ainda está na forja, até porque os protagonistas são descendentes de escravos africanos negros, mas não nasceram em África e tinham pouco contacto com o continente ou com pessoas esclarecidas saídas do continente. Embora esta lacuna não impediu o sentimento de pertença, o contacto esporádico com estudantes das colónias nas metrópoles (Londres, Paris e Nova York ou Washington).
Dubois foi o primeiro a transpor o panafricanismo para uma dimensão transatlântica com contornos autonomistas. Na conferência de Paris de 1919, Dubois reclama, conforme os princípios proclamados pelo Presidente Woudrow Wilson, “o direito dos povos disporem de si próprios”. Procurando assegurar o direito dos negros na América e alterar o estado de alienação cultural reinante na época. A reivindicação de melhores condições para os negros é rapidamente estendida para os povos africanos, facto que se concretiza no Congresso de Manchester, Inglaterra, onde aparece Kwame Nkrumah como participante activo, com as seguintes reivindicações:
A) Reconhecimento do direito sindical em África;
B) O direito de associação e;
C) A independência da Algéria, Tunizia e do Reino do Marrocos (Decraene 1961:120-128). Neste momento começa a transposição das reivindicações para uma autonomia em África e, começa também o verdadeiro nacionalismo africano com os contornos que derem origem a actual configuração do continente, este novo conceito é consumado no mote de Nkruma “povos colonizados e subjugados do mundo, uni-vos”. A partir daqui nasce o panafricanismo com o envolvimento de nacionalistas africanos ou nascidos em África.
O panafricanismo em África tem contornos revisionistas, ou seja, a maior parte dos precursores não reclama uma igualdade de direitos de cidadania, mas a emancipação dos povos africanos, a autodeterminação, enfim, a independência dos povos e dos territórios do continente. Portanto, o panafricanismo em África transformou-se em luta anti-colonial ao contrário do que acontecia com os afro-americanos que reclamavam inclusão e igualdade de tratamento.
Há uma evolução política/ideológica na passagem do panafricanismo dos afro-americanos para o continente africano propriamente dito. No continente africano, numa primeira fase, existiram pretensões federalistas, tais como o movimento panafricanista de Namdi Azikiwe que criou “o Concelho Nacional da Nigéria e dos Camarões” (NCNC), podemos também citar o modelo do “Convention People Party” dirigida por Nkrumah, que embora esteve limitado ao Gana, se inscreveu com o status de uma realização imperiosa para “criação de uma federação do Oeste africano”, a primeira etapa da via para o panafricanismo (Zerbo 2004:16). Mas podemos acrescentar ainda Movimento panafricano para a Libertação da África do Leste e Central (Panafrican Freedom Movement for East and Central África – PAFMECA).
A euforia apoderou-se dos intelectuais africanos que fizeram do panafricanismo um movimento de vanguarda: Sékou Touré (Guiné); Jomo Kenyatta (Kennya); Modibo Keita (Mali) e; Gamel Abd El Nasser (Egipto) impulsionaram o movimento e reivindicaram a independência de todos os territórios africanos, perspectivando uma unidade federal do continente. Neste sentido, foi realizada a conferência de Accra de 15 a 22 de Abril e de 6 a 13 de Dezembro de 1958, onde se preconizou uma federação multinacional dos Povos com base na igualdade e nas solidariedade panafricanista: o Congresso Constitutivo do PRA (Parti du Regroupement african), reunidos em Cotonou, de 25 a 27 de Julho, forja o método e a base para a unidade africana. As bases principais passavam pelo protesto contra a dominação política, jurídica, intelectual e moral da Europa. As principais reivindicações eram a conquista da independência, o direito ao desenvolvimento e ao não-alinhamento. Isso pode ser constado nas conclusões da Conferência de Bandung de 1955:
· Respeito pelos direitos fundamentais do homem;
· Respeito pela soberania e integridade territorial e todas as nações;
· Reconhecimento de igualdade entre todas as raças e todas as nações, grandes ou pequenas;
· Não ingerência dos assuntos interno dos outros estados;
· Abstenção do recurso de mecanismo de defesa colectiva com vista servir os interesses particulares de nenhuma das grandes potências;
· Abstenção, por parte de todos os estados, de exercer pressão outros Estados e;
· Regularização de todas as disputas por meios pacíficos.
A globalidade da dimensão politica é eleva ao nacionalismo africano quando Cheikh Anta Diop declara que: “Seule l’ existance d Ètat indépendents permettra aux Africains de s épanouir pleinement”. A partir desta altura, por toda a África, nascem momentos nacionalistas a reclamar a independência dos seus territórios com base nas fronteiras traçadas pela Conferência de Berlim em 1854/1855.
A partir da década de 50 começam a nascer os movimentos de libertação dos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) que se enquadraram no espírito panafricanista de libertação do continente contra o jugo colonial. O MPLA foi um desses momentos liderado pelo nosso homenageado, o saudoso Dr. António Agostinho Neto, que pode ser apontado como um dos panafricanistas mais convictos que via a luta de libertação nacional como condição indispensável para cria do bem-estar do cidadão angolano.
A nível interno, no MPLA e na maioria dos Movimentos de Libertação Nacional em África, houve sempre algumas controvérsias sobre a forma como a luta de libertação dos povos africanos deveria decorrer. Alguns defendiam uma luta autóctone própria e discriminatória, apenas os descendente de negros africanos deviam estar nas primeiras fileiras para o combate ao colonialismo. Mas, António Agostinho Neto era um panafricanista moderado, nunca foi de extremos e preconizava uma luta integrada por todos os que idealizavam uma Angola independente, sem descriminação de raça, credo religioso ou status social.
Apesar de ter sido várias vezes preso, sempre defendeu que a relação entre os povos deveria continuar e nunca confundiu o sistema colonial português com o povo português que, segundo ele, também sofria as amarguras da ditadura. Isso permitiu a emergência de uma relação de solidariedade por parte de uma franja da sociedade portuguesa que apoiou a luta de libertação de Angola. Este facto é visível na ajuda que o Presidente Neto teve para fugir de Portugal em 1962.
Depois do alcance da Independência de Angola em 1975, o Presidente Neto declarou sempre a solidariedade do governo e do povo angolano para com os povos de África e, fê-lo na prática. Neto dizia: “Não podemos considerar o nosso país verdadeiramente livre se outros povos do continente se encontram ainda sob o jugo colonial”. Esta convicção levou Angola a ter um papel chave na luta para o fim do regime racista do Apartheid na África do Sul e para as Independências do Zimbabué e da Namíbia.
O discurso do Presidente Neto era conciliador, entendia o bem-estar como um direito dos povos africanos, a aquisição da cidadania e o desenvolvimento equitativo de todos os cidadãos do continente. Neste sentido Agostinho Neto declarou: “Angola é e será, por vontade própria trincheira firme da revolução em África”.
O sonho de ver uma Africa livre e integrada fez de Neto um frequente participante das reuniões da OUA e também comungava da criação de uma federação africana para melhor resolver os problemas que assolavam e continuam a assolar o continente. Portanto, a figura de Neto ultrapassa o simples nacionalismo angolano. Neto tinha uma visão abrangente à todos os povos oprimidos do mundo. Como homem, Médico de profissão, proeminente poeta e político com qualidades indiscutíveis, o Presidente António Agostinho Neto é um filho de África e um cidadão do mundo, por isso, esta homenagem a que temos a mais elevada honra de participar e verdadeiramente justa e merecida.
O pensamento de Neto, a sua poesia e os projectos que os panafricanista sonharam para África serão concretizados se os actos de reconhecimento como este forem realizados com maior frequência. Cabe aos homens de hoje, a juventude e as instituições, como a Fundação Harris Memel Fotê, fazer a promoção do saber e perpetuação do pensamento e da história africana, enquanto património mundial. O Presidente Dr. António Agostinho Neto é uma das figuras que em vida deu o seu contributo, os resultados são visíveis até aos nossos dias, portanto bem-haja a esta homenagem que nos reúne aqui nesta acolhedora cidade de Abidjan, capital da Cote D´Ivoire.

Muito Obrigado pela atenção dispensada

Palestra Proferida no quadro da Homenagem prestada ao Primeiro Presidente de Angola pela Fundação Harris Memel Fôté aos 29 de Setembros de 2009 – Abidjan, Cote D’ Ivoire.

POLITICA EXTERNA DE ANGOLA NA NOVA CONSTITUIÇÃO

POLITICA EXTERNA DE ANGOLA NA NOVA CONSTITUIÇÃO
OBS: O ponto 3 do artigo 13ª, embora constace do projecto final da Constituição, foi removido do texto final da Constituição promulgada pelo Presidente da República, ficando apenas o ponto 1 e 2 do mesmo artigo. Por esta razão a reserva apresentada neste artigo sobre o ponto 3 fica sem efeito.

Por: Belarmino Van-Dúnem

A Política Externa é obrigatória porque nenhum estado consegue resistir de forma isolada, por outro lado, sofre as consequência das politicas externas de outros estados que podem não se desejáveis.
Todo Estado soberano deve bases constitucionais da sua política externa sob qual serão estabelecidas as relações com outros Estados, organizações internacionais e com todos os sujeitos do direito internacional de forma geral.
A nova Constituição da Republica traz no artigo 12º (Relações Internacionais), os princípios básicos sobre os quais assentam as relações internacionais do Estado angolano: 1. A República de Angola respeita e aplica os princípios da Carta da Organização das Nações Unidas e da Carta da União Africana e estabelece relações de amizade e cooperação com todos os Estados e povos, na base dos seguintes princípios:
a)) Respeito pela soberania e independência nacional; b) Igualdade entre os Estados; c) Direito dos povos à autodeterminação e independência; d) Solução pacífica dos conflitos; e) Respeito dos direitos humanos; f) Não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados; g) Reciprocidade de vantagens; h) Repúdio e combate ao terrorismo, narcotráfico, racismo, corrupção e tráfico de seres e órgãos humanos; i) Cooperação com todos os povos para a paz, justiça e progresso da humanidade.
Os pontos 2 e 3 afirmam o princípio da liberdade dos povos disporem de si próprios e da valorização do modo de ser e de estar dos povos africanos. Deve-se destacar também o ponto 4 do mesmo artigo onde se afirma que: O Estado angolano não permite a instalação de bases militares estrangeiras no seu território, sem prejuízo da participação, no quadro das organizações regionais ou internacionais, em forças de manutenção da paz e em sistemas de cooperação militar e de segurança colectiva.
Esta questão, das bases militares, tem estado na ordem do dia, sobretudo devido a tradicional presença militar francesa em África e suas consequências ambíguas no respeito das soberanias e, nos últimos anos, os EUA têm procurado instalar no continente o United States African Command (AFRICOM). O Estado angolano e maioria dos Estados africanos negou a instalação, com a nova constituição essa possibilidade fica definitivamente encerrada.
No artigo 13º (Direito Internacional), a constituição é clara ao vincular o Estado angolano ao Direito Internacional Geral ou Comum. No mundo hodierno, em que a interdependência faz parte integrante das Relações Internacionais, as normas ou princípios internacionais têm assumido um carácter supra-legal. Neste contexto, as leis devem ser interpretadas de modo a se harmonizarem com o Direito Internacional geral, acreditando que o legislador não quer viola-la.
A Constituição angolana cumpre com esta filosofia ao afirmar que: O direito internacional geral ou comum faz parte integrante da ordem jurídica angolana (art. 13º, ponto 1). Entrando na hermenêutica das normas internacionais, este facto não significa que o legislador teve a intenção de afirmar que aquelas normas fazem parte integrante da lei angolana, mas, admitindo que aquelas normas conservam a sua essência de princípios internacionais, então só prevalecem sobre as normas jurídicas internas que estão hierarquicamente abaixo da constituição, ou seja, o Direito interno infra-constitucional.
O ponto 2 (art. 13º) do mesmo artigo clarifica a intenção do legislador, no que concerne ao ponto 1 (art. 13º) ao estabelecer que: Os tratados e acordos internacionais regularmente aprovados ou ratificados, vigoram na ordem jurídica angolana após a sua publicação oficial e entrada em vigor na ordem jurídica internacional e enquanto vincularem internacionalmente o Estado angolano. Pressupõem-se que as leis do Direito Internacional Comum fazem parte integrante das Leis Ordinárias angolanas e prevalecem sobre elas enquanto permanecerem no ordenamento jurídico internacional, mas deixam de ser vinculativas caso o Estado soberanamente assim o determine.
O ponto nº 3 (art. 13º) é complementar ao seu precedente, sendo mais específico, ou seja, pressupõem-se que o Estado angolano sente-se vinculado à todos “Os actos jurídicos emanados dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Angola seja parte vigoram na ordem jurídica interna, desde que tal esteja estabelecido nos respectivos tratados constitutivos”.
Apesar de se poder recorrer ao ponto 1 (art. 13º), me aparece existir uma omissão ao não se estabelecer que esses actos jurídicos só fazem parte da ordem jurídica angolana caso sejam ratificados pelos órgãos constitucionalmente competente, porque é claro que o legislador quis ser mais especifico no ponto 3. Mas o facto de uma organização de que Angola faz parte legislar sobre um assunto não significa automaticamente que o mesmo acto jurídico vincule o país.
Por exemplo: A SADC ou outra Organização Económica de Integração Regional poderá legislar sobre um determinado assunto do qual Angola não se sinta vinculada como a Zona de Comércio Livre da região proclamada em Agosto de 2008, atendendo à clausula em questão o país estaria vinculado. Alias, é recorrente nas Organizações Regionais os Secretariados emanarem actos jurídicos sobre os quais os Estados membros não estão devidamente avisados.
Em alguns casos isso acontece por falta de acompanhamento dos dossiers pelos Estados membros e noutros é mesmo por falta de quadros competentes nessa área específica da cooperação internacional.
Acreditando que a hermenêutica da constituição deve ser holística e que o legislador poderá sempre fazer recurso ao método remissivo e/ou regulamentar através de leis ordinárias pensamos que a nova constituição está bem elaborada e contem as bases para uma inserção cabal de Angola no sistema internacional.