domingo, 30 de janeiro de 2011

FUNDAMENTALISMO DEMOCRATICO

Por: Belarmino Van-Dúnem

No início da década de 1990, o mundo, paradoxalmente, celebrou o enterro do comunismo e o começo de um novo mundo, onde a liberdade e a paz passavam a fazer parte de todas as sociedades.
Vários autores têm manifestado reticências e chamado à atenção para o caos que se estava a criar na arena internacional, onde a diversidade cultural é uma realidade, mas as clivagens sociais, económicas, políticas e estruturais são, cada vez mais, marcantes.
Jacques Lesourne e Bernard Lecomte (1991) chamaram a atenção para o facto do “presente não se limitar a uma participação no enterro porque as mortes do comunismo são múltiplas, incertas e escalonadas no tempo. O futuro contém, tanto na Europa de Leste como no resto do mundo, outras evoluções além de um idílico avançar para a liberdade e a paz”.
Outros autores como Francis Fukuyama (1992) com o seu artigo “o fim da história e o último homem”, eram mais optimistas e peremptórios ao anunciar que as dinâmicas políticas se tinham esgotado e o liberalismo democrático se afigurava como a única alternativa para os Estados. Portanto, a democracia era a alternativa para todas as sociedades, facto que criou as condições conjunturais para o início do fundamentalismo democrático.
Se teoricamente cada autor procurava dar o seu melhor em nome da democracia, os políticos que têm na sua posse os recursos materiais e humanos entraram em êxtase e colocaram a máquina ao seu dispor para expandir a democracia neo-liberal em todo espaço geográfico.
O fundamentalismo democrático acontece porque há, por maioria de razão, uma tendência para se valorizar mais o processo em si do que as finalidades de um regime democrático numa determinada sociedade. A comunidade internacional Ocidental, desde o fim da guerra-fria, tenta, a todo o custo, expandir o regime democrático, implementado nos seus territórios sem levar em conta as especificidades locais, regionais ou continentais. O objectivo é homogeneizar a política, a tal ponto que qualquer outra forma de organização seja considerada anacrónica, fora do normal e um alvo a abater.
O continente africano tem sido um exemplo pouco abonatório para a implementação do sistema democrático ocidentalizado. Durante a década de 1990, a maior parte dos Estados africanos sentiu-se na obrigação de implementar o regime democrático, com a promessa de apoio da comunidade internacional, que, por sua vez, radicalizou o seu posicionamento. Durante a disputa para o domínio geopolítico no sistema internacional, os parceiros não eram escolhidos com base em critérios éticos ou morais, não importava se eram ditaduras, monarquias, oligarquias, democracias ou regimes com mono partidarismo, tudo e todos serviam. Na maior parte dos casos, com recurso a meios que até ao momento constituem segredo de Estado pela forma pouco ética como foram praticados, desde os assassinatos de grandes figuras do continente, até a pilhagem das riquezas nacionais sem qualquer dividendo para as populações nativas. As justificações vão variando, todos argumentos servem para justificar o suposto atraso do continente africano relativamente às restantes regiões do mundo. Alguns argumentos são surreais, como a história contada por René Dumont no livro “Democracie pour l´Afrique”, em que um famoso economista de Taiwan, quando questionado sobre o subdesenvolvimento de África, encolhendo os ombros, respondeu: “Esses africanos não conheceram Confúcio”, como se a filosofia confucionista tivesse alguma base para o desenvolvimento com a matriz neo-liberal que caracteriza as economias do chamado milagre asiático cujo deus foram os Estados Unidos, que deslocaram fundos e pessoal para o desenvolvimento daquela região. Aliás, para quem estuda as questões da evolução da economia e da democracia sabe que a filosofia confucionista constitui um obstáculo intransponível à liberdade. A China, por exemplo, teve que tomar medidas radicais para chegar onde está hoje. Não mudou o regime político, mas abandonou a filosofia que caracterizava o funcionalismo público, eliminando toda a elite confucionista que dominava o poder na altura, portanto o respeito cego, destemido, incondicional e pouco aconselhável pelo chefe que os confucionistas ensinavam não é o caminho certo para o desenvolvimento e muito menos para a democracia.
Não tenho lido muitos exemplos de resquícios de democracia nas sociedades tradicionais asiáticas, elas são apresentadas como sociedades expansionistas, que tiveram grandes sucessos na conquista de outros povos, dentro e fora da sua região. Aliás, os maiores Estados da antiguidade podem ser encontrados na Ásia.

No continente africano há exemplos de democracias que fazem parte da organização política das sociedades tradicionais. Essas práticas existiam antes da chegada dos colonos europeus.
O professor camaronês Michel Moinou (2001), no estudo sobre sistemas políticos nas sociedades tradicionais africanas, apresentou o exemplo dos reinos Agni-Baoulé na Costa do Marfim, onde a unidade social fundamental é a família, que se funda no conceito de família alargada e na territorialidade, o mesmo acontecendo com a maior parte dos povos africanos.
Portanto, a pertença parental ou o local geográfico está estritamente ligado à residência real, os chefes das subtribos, os chefes das fracções da tribo principal e no cume da pirâmide, que é descentralizada, o rei. Este é o garante das terras dos ancestrais e o comandante supremo do Exército. Os chefes da vila são eleitos pelo conselho dos chefes de família e estes, por sua vez, elegem os chefes da tribo que fazem parte do conselho real. Com excepção de Sua Majestade, nenhuma função é perene.
Há aqui um sistema claro de democracia, onde a probabilidade de contestação é quase nula porque a legitimidade é natural. Ao contrário do sistema da democracia multipartidária, em que o voto é atribuído a cidadãos que, em muitos casos, estão mais interessados em resolver os problemas pessoais do que a dedicarem-se aos que depositaram neles confiança. Portanto, os sistemas eleitorais devem estar ¬directamente ligados ao contexto e não acompanhar o argumento normativo linear que tem caracterizado o debate nas nossas sociedades, onde alguns indivíduos são investidos com convincentes argumentos escolásticos para impor sistemas eleitorais copiados de outras dimensões e impostos ao continente africano.
A base dos argumentos é a teoria reducionista, recorrem a Maurice Duverger, que fez os estudos sobre sistemas eleitorais na Europa e nos Estados Unidos, nos princípios do século passado, numa conjuntura que pouco ou nada tem de semelhante com os Estados africanos.
Mas dentro do limite dos debates que vamos fazendo, estes argumentos têm feito escola, tudo em nome do fundamentalismo democrático (Dieter Nohlen 2007).
A democracia foi transformada num valor em si. Deixou de ser uma forma de participação no dinamismo político da sociedade onde o cidadão está inserido para passar a fim último. O radicalismo é tal que assistimos, todos os dias, a situações caricatas: em Março de 2010, quando os iraquianos foram chamados a votar, houve vários ataques que dizimaram dezenas de vidas humanas. Os eleitores exerceram o seu direito de voto debaixo de tiros, mas ouvimos o Presidente Barack Obama elogiar o povo iraquiano por ter ido às urnas, dizendo que era um povo heróico por ter ido votar mesmo com a violência que se verificou. Portanto, o acto de votar sobrepõe-se à vida das pessoas.
No continente africano, os exemplos são ainda mais caricatos. Nos Estados onde há grupos rebeldes armados, a comunidade internacional impõe eleições a todo custo, ignorando alguns factores determinantes para um processo eleitoral bem sucedido. Os grupos armados raramente entregam as armas, mas fecham-se os olhos e manda-se toda gente votar. A população está mal informada e desconhece as vantagens e desvantagens do acto de votar, mas isso não é importante, podem votar mesmo assim. Há uma grande parte dos cidadãos que não possui documentos de identidade e alguns estrangeiros passam por cidadãos nacionais. Não faz mal porque mais tarde esse problema é resolvido. Quando o processo cria desentendimentos, o argumento é que todos aceitaram as condições e devem aceitar os resultados, justos ou não. Quem não aceitar entra na lista das pessoas perigosas e passa de democrata a ditador.
Mas o que marca mais são os actos eleitorais que ocorreram na Costa do Marfim e no Sul do Sudão. No primeiro caso, depois de alguns anos de polémica em que Gbagbo não conseguiu convencer a comunidade internacional a desarmar os rebeldes que ocupam o norte do país. Finalmente, em Novembro de 2010, realizou-se a segunda volta das eleições presidenciais. Quando Gbagbo esperava ter a oportunidade de recorrer ao Conselho Constitucional foi surpreendido com o coro, em uníssono, da comunidade internacional a apelar à retirada, já sem direito ao recurso conforme consagra a lei eleitoral daquele país.
Alguns países como a França e os Estados Unidos da América chegaram a oferecer, outros deram garantias de não interporem processos judiciais contra o Presidente Lourent Gbabo. Tudo isso em nome de um abandono voluntário do poder, sem recurso ou direito a reclamar uma possível vitória, sobrepondo a decisão de uma instância inferior, a Comissão Eleitoral Interdependente, à superior, o Conselho Constitucional.
Portanto, o mote segundo o qual em democracia é necessário respeitar as regras e as instituições criadas para a sua regulamentação só é válido quando os interesses dos poderosos não são postos em causa.

No caso do Referendo para a autodeterminação do Sul do Sudão, pode afirmar-se, sem grandes constrangimentos, que estavam criadas todas as condições para que o processo corresse mal e não foi preciso muito tempo para alguns grupos reclamarem a anulação do pleito. No primeiro dia, as deficiências vieram à tona. O primeiro constrangimento esteve relacionado com as limitações logísticas, pois muitas assembleias de voto não tinham material suficiente e algumas não chegaram a abrir. Por outro lado, o sistema de votação foi um dos mais complexos que alguma vez já se organizou em África e talvez no mundo. Criou-se um sistema em que os eleitores tiveram de votar os representantes locais, regionais e nacionais, além das legislativas e parlamentares.
No total, tiveram de colocar 12 boletins de voto em 12 urnas diferentes, o próprio candidato do maior parido do Sul, o Movimento de Libertação do Povo do Sudão, General Salva Kiir, enganou-se e colocou um dos boletins de voto na urna errada, tendo sido respeitosamente avisado pelo presidente da assembleia de voto. Imaginemos as dificuldades do restante da população que, segundo as estatísticas, é 93 por cento analfabeta. Mas o antigo Presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter, o próprio Barack Obama e a maior parte da comunidade internacional já se manifestaram satisfeitos pela forma como decorreu o escrutínio. Vamos aguardar pelas consequências para observarmos a resposta da comunidade internacional.
A cegueira pela democracia é tal que, mesmo quando os eleitores, por razões de força maior, se furtam ao transcendente dever cívico de votar, os democratas do multipartidarismo encontram sempre uma justificação, mesmo que seja contra a natureza, que não pode roubar o que de mais sagrado existe no mundo hodierno, o voto na urna. José Saramago, no livro “Ensaio sobre a Lucidez”, ilustra bem, de forma jocosa, como se justifica em democracia. O Presidente da Assembleia de Voto, quando questionado sobre a eventual vitória da abstenção nas eleições municipais por causa do temporal que se verificava no dia do escrutínio respondeu: “Prefiro ver as coisas com optimismo, ter uma visão positiva da influência da meteorologia no funcionamento dos mecanismos eleitorais, bastará que não chova durante a tarde para que consigamos recuperar o que o temporal desta manhã tentou roubar-nos. O jornalista saiu satisfeito, a frase era bonita, poderia dar, pelo menos, um subtítulo de reportagem”. Portanto, demagogia e democracia não só rimam como parecem ser complementares.

Angola e o Futuro da Região do Atlântico Sul

Por: Belarmino Van-Dúnem

O Atlântico Sul foi uma zona geoestratégica de referência nos primeiros contactos entre o Ocidente, o Indico e o Pacífico. A dinâmica de intercâmbio entre o Atlântico Sul e as restantes regiões do globo só sofreu algumas alterações com a Abertura do Canal Suez (1869) e sobretudo do Panamá (1914) que concentrou a trajectória do comércio Ocidental no Mediterrâneo e no Atlântico Norte. No que respeita a segurança, a Zona do Atlântico Sul foi, e é uma das regiões mais pacíficas, embora tenha sofrido algumas acções isoladas por terra e por mar durante a primeira e segunda guerras mundiais.
Nos anos 70 com a crise do Canal Suez verificou-se um retorno da região do Atlântico Sul enquanto zona de passagem dos grandes petroleiros, mas também ficou conhecida como uma zona de interesse geoestratégico com a probabilidade de guerra que existiu entre a Argentina e o Reino Unido, o dossier das Ilhas Malvinas ou Falklands, como é internacionalmente conhecido. A evolução da interdependência mundial, tanto comercial como a nível da segurança fazem acreditar que o Atlântico Sul será a solução para retirar a dependência excessiva que os países industrializados têm do petróleo proveniente do Médio Oriente.
As expectativas do fornecimento de petróleo do Brasil, somando as grandes reservas existentes na região do Golfo da Guiné, da qual fazem parte os dois principais produtores de petróleo de África, a Nigéria e a República de Angola deixam antever que a segurança no fornecimento de combustíveis poderá estar no Atlântico Sul. È de realçar também que há necessidade de um maior intercâmbio entre a OTAN e o Atlântico Sul porque ainda que os interesses dos países daquela organização estejam a ser transferidos para o Pacífico, a verdade é que a Segurança é actualmente um factor que não depende directamente da geoestratégia de um Estado em particular, nem de uma organização de forma isolada.
O Atlântico Sul não tem fronteiras e, uma grande parte dos Estados não tem meios humanos e materiais para fazer o controlo efectivo da sua Zona Económica exclusiva, os Estados africanos em particular, não conseguem controlar as suas fronteiras continentais. Aliando à esse facto, a existência de explorações offshore cuja empresas multinacionais são de capital Ocidental, a existência de grandes reservas de gás, minerais como cobre, ouro, estanho, cobalto, ferro, para alem de outros recursos levam a existência de tensões e em muitos casos de conflitos armados.
Estes factos causam a imigração ilegal, o desenvolvimento e predomínio do tráfico de drogas, a exploração de mulheres que acabam por ser transformadas em escravas sexuais, tráfico de crianças e órgãos humanos, a pirataria etc… essas acções tem implicações directas ou indirectas em todas as regiões do mundo com especial destaque para os países ocidentais que muitas vezes servem de destino final das acções acima mencionadas. A maioria dos emigrantes ilegais pretende entrar nos países industrializados com especial destaque para Europa Ocidental e os Estados Unidos da América. A melhor forma de travar este fenómeno é a criação de condições nos países de origem, aproveitando as potencialidades que existem localmente. Não é de mais lembrar que a pobreza também é uma das causas que propicia a emergência do terrorismo e/ou do radicalismo religioso.
No âmbito da interdependência da Segurança Universal, o Atlântico Sul irá desempenhar um papel importante, sobretudo alguns países como Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e o Brasil que possuem uma vasta costa banhada pelo Oceano que, só será uma alternativa para a exploração de recursos, transporte de bens e pessoas, conservação da biodiversidade e para o intercambio entre os povos de forma geral, se existir uma cooperação entre todos os povos. A OTAN, em particular teria um papel bastante importante. No futuro próximo a ideia factual de inexistência de fronteiras físicas poderá se consolidar e a natureza do Atlântico Sul será uma das regiões geoestratégicas mais importantes do globo. Há necessidade de se desenvolver uma abordagem de segurança integrada e global.
O Sul reclamou sempre a possibilidade de ter uma palavra nas questões universais, as novas ameaças à segurança internacional levam a necessidade de um maior intercâmbio, uma maior cooperação e, sobretudo, uma nova filosofia internacional. A reaproximação da OTAN à Rússia dá a ideia que o objectivo dos países do Atlântico Norte é agradar a quem tem capacidade de pressionar, fazendo valer os seus interesses geopolíticos. A Rússia não constitui um perigo para a segurança global, mas os Estados do Atlântico Sul podem ser a “pedra angolar” para a nova estratégia de combate ao terrorismo e de todo o tipo de crimes dos tempos hodiernos. Embora se reconheça que as estratégias de segurança dos Estados da região do Atlântico Sul não sejam convergentes e, em muitos casos, excluem-se uns aos outros. O caso de Portugal, país ibérico com vocação natural para o Atlântico tem estado preso a filosofia de defesa da OTAN que não leva em conta os interesses dos pequenos Estados, por outro lado, o país tem estado numa situação de controvérsia como no caso da Guiné-Bissau onde o consenso era o apoio, a nível da CPLP, mas Portugal teve que ser politicamente correcto ao acompanhar a posição de musculo da União Europeia que negava o diálogo e impunha sanções, alegando cansaço.
O Brasil vê a sua estratégia concentrada na América do Sul com uma forte tendência para alianças com os EUA. Embora se reconheça o dinamismo daquele país que vai se afirmando como o pivot natural na região, sendo mesmo o Estado com mais relações extra-regionais como o BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) ou o IBAS (Índia Brasil e África do Sul). No último caso, Se a premissa for exclusivamente económica, apesar de todas as reticências, temos que condescender, mas se for numa perspectiva global, incluindo a segurança, pode-se aventar uma parceria IBASA (Índia, Brasil, África do Sul e Angola). A nível do Atlântico Sul, mais a sul, Angola é o Estado que se afigura como parceiro indispensável do ponto de vista da segurança, o mesmo acontece com o fornecimento de energia pela estabilidade que apresenta, mas também pelo facto do Estado angolano ser um dos poucos que é verdadeiramente laico, tanto por lei como socialmente.
A nível do Sul, mais ao Sul, a liderança está repartida entre Angola, Nigéria e África do Sul. Ao contrario dos anos 90, a África do Sul deixou de ser apática do ponto de vista bilateral, actualmente também faz incursões diplomáticas a nível politico fora do seu circulo natural de sua influência, vai para além da África Austral e participa em missões de paz no continente e não só, aliado ao seu potencial económico, populacional, industrial e territorial, a comunidade internacional está perante uma potencia emergente, embora tenha muito para galgar a nível das disparidades sociais internas. A Nigéria é um Estado com grandes potencialidades, tanto a nível de recursos naturais como pela extensão do seu território e a densidade populacional. Mas as divergências internas do ponto de vista social, a questão étnico/religiosa, sobretudo a clivagem existente entre cristãos e islâmicos, estando o país divido em dois: o Norte Laico ou cristão e o Sul islâmico, inclusive a nível constitucional, facto que faz da Nigéria um Estado que não é unitário, para além da questão da região do Delta do Níger. Angola, por sua vez, está emergir dos longos anos de guerra com um sentido de unidade nacional que transparece nas estratégias dos actores políticos, não se conhece algum grupo politico legal, activo e reconhecido constitucionalmente, que tenha apresentado um projecto segmentado do território nacional.
Desde 2002, o dinamismo político a nível continental fez de Angola um parceiro respeitado na cena internacional. A sua proactividade no Conselho de Segurança da ONU, no Conselho de Paz e Segurança da União Africana, no Órgão de Política Defesa e Segurança da SADC e a nível do COPAX, na CEEAC não deixam dúvidas que Angola joga um papel importante nas questões de paz e, as últimas acções para a estabilização da Guiné-Bissau reforçam essa convicção. Para concretizar esses factos é necessário consolidar a eficiência e eficácia institucional, fomentar a manutenção das taxas de natalidade, desenvolver o combate da mortalidade infantil, não descorar o factor defesa em tempo de paz e apostar na emergência de uma classe intelectual de excelência para projectar o país nas mais diversas áreas.
Não há dúvidas que Angola será uma das principais potências do Atlântico Sul porque as premissas estão lançadas, cabe a cada um de nós fazer a sua parte no sector em que estiver envolvido. Procurando a excelência no trabalho, ter valores e convicções que não passem apenas pelo bem-estar material, mas que ajudem o país à se afirmar neste mundo cada vez mais globalizado., faz um nó na garganta quando o próprio cidadão nacional mina o caminho que o país está a trilhar. Em vez de representar, defender e ser embaixador, as vezes criamos uma imagem pouco abonatória, beneficiando os detractores da Nação. Mas se as potencialidades da Angola forem um facto, deixaremos um mundo melhores para as gerações futuras, sem fronteiras nem descriminação por não sermos económica e industrialmente desenvolvidos.

O DILEMA DA COTE D’IVOIRE

Por: Belarmino Van-Dúnem

A Cote D’Ivoire é neste momento um dos poucos países no continente africano onde os Estados africanos, através da União Africana e da CEDEAO, parecem encontrar consenso relativamente à necessidade do Presidente cessante, Laurent Gbagbo, retirar-se para dar lugar ao seu opositor Alassame Quattara, apresentado pela comunidade internacional como o Presidente legítimo. A situação não é propriamente nova, mas infelizmente a maior parte dos analistas está apegada ao factor eleições de 28 de Novembro de 2010, fazendo “tábua rasa” e, também é verdade que para alguns é mesmo por falta de conhecimento e “miopia histórica” com relação à todos os factos históricos, quer durante o reinado do Presidente Félix Houphoet-Boigny, ou mesmo às ocorrências de 1999 com a tentativa de Golpe de Estado que ficou conhecido como “o natal de Abidjan” por ter ocorrido no dia 24 de Dezembro.
Antes dessa ocorrência tanto o Presidente da Comunidade Internacional como o seu coadjuvante na segunda volta das eleições, Henri Konan Bédié, eram apoiantes da ditadura de Houphoet-Boigny. O actual protegido da comunidade internacional, Quattara, foi o último Primeiro-Ministro da Boigny, desempenhou o cargo de 1990 a 1993 ano do desaparecimento físico do pai da Nação ivoiriense. Kanan Bédié foi o substituto, tendo ocupado o cargo de Presidente da República, inclusive vencido as eleições de 1995 com várias reclamações de fraude.
O que muitos ignoram ou não querem saber é que Laurent Gbagbo foi detido e durante o reinado de Quattara e Bedié era considerado conspirador por reclamar a abertura democrática no país. Incrivelmente onze anos depois de vencer as eleições presidenciais e de ter que lidar com o país divido em duas partes com a conivência de Quattara do lado dos rebeldes, Gbagbo está em desgraça e aparece como ditador, bom, mas isso só mesmo para quem consome noticias de cinco minutos, como aqueles livros de bolso que nos propõem: “saiba tudo sobre economia em 30 minutos” e muitos se aventuram na leitura e no dia seguinte vão para o mercado fazer diagnóstico sobre a viabilidade do mercado informal, tudo com base no livrinho mágico.
Ainda me lembro de ter lido o livro “Les Chamins de Ma Vie” – Os Caminhos da Minha Vida, uma espécie de autobiografia de Kanan Bédié, publicado em 1999 onde o autor afirmava que Quattara não podia ser o seu sucessor porque era estrangeiro proveniente do Burquina-Faso e, inclusive possuía o respectivo passaporte. Na altura estavam de costas viradas, mas em menos de dez anos, foi o mesmo Bédié que declarou o seu apoio à pessoa que classificou de estrangeiro e impostor. Na Cote D’Ivoire, durante muito tempo, reinou a filosofia da akanidade ou ivoirité em que os nativos seriam superiores aos restantes cidadãos, facto que criou sempre grandes tensões étnico/linguísticas, que foram sempre bem geridas por Houphoet-Boigny, fazendo alianças para a sua manutenção no poder. Os sucessores não têm conseguido manter o país unido, alias como aconteceu na maior parte dos Estados africanos: desapareceu o líder que levou o país à independência, o Estado entra em guerra ou fica dividido em dois, as cisões no partido também acontecem.
Quando se trata de politica, não existem amigos ou inimigos que sejam eternos, portanto quem lutou pela democracia ontem, amanha pode ser acusado de anti-democrata desde que as suas posições sejam contrárias aos interesses dos poderosos. Se não tentemos compreender a situação actual, quem tem razão e qual a saída mais consensual para a crise na Cote D’Ivoire.
a) As eleições de Novembro de 2010 foram realizadas num ambiente de tenção em que “de facto”, o país estava dividido entre o Norte, dominado pela rebelião das Forças Novas e o Sul que estava sob o controlo das autoridade governamentais que foram eleitas democraticamente em 2000. O desarmamento e desmobilização nunca foi concluído apesar do empenho da ONU que já gastou vários milhares com a sua presença naquele país africano, portanto com dois exércitos qualquer um dos lados tinha poder e razões suficientes para apresentar reclamações. Alguns perguntam, porquê que o Presidente Gbagbo aceitou e marcou o escrutínio, a resposta é interrogativa: será que ele tinha espaço para fazer mais um adiamento ou estava entre a espada e parede?
b) A comunidade internacional está e sempre esteve ao lado dos rebeldes, fechando o olho a situação que se tinha criado no país, quando digo a comunidade internacional estou a fazer referência à União Europeia, liderada pela França e por arrasto às Organização das Nações Unidas.
c) A ONU fez cedências e criou uma espécie de good boys, em que as Forças Novas, apesar de estarem na origem da crise e da cisão do país em dois, receberam formação e participavam nos fóruns internacionais, me lembro de ter publicado um artigo cujo o titulo era “ONU Forma Policias da Rebelião na Cote D’ Ivoire” isso em Janeiro de 2007, na altura a justificação das Nações Unidas era ajudar a rebelião a cumprir com os Direitos Humanos, como se alguma vez existisse interesse por parte de grupos rebeldes em obedecer ou agir em conformidade com a lei. Nunca é demais relembrar que a resolução 1633 do Conselho de Segurança da ONU legitimou o Presidente Gbagbo na altura.
d) A França foi logo se posicionando ao lado da oposição ao poder, alias, houve confrontações entre as forças francesas baseadas na Cote D’Ivoire e os Jovens ivoirienses pró – Presidente que manifestavam alguma cólera ao intervencionismo francês da altura. Nos confrontos foram mortos alguns soldados franceses, cujo numero não chegou a uma dezena. A resposta foi desproporcional. Para alem de abrir fogo contra os manifestante que, agiam mais por emoção do que com a razão, envergando algumas armas rudimentares como paus e catanas, embora seja verdade que no meio alguns possuíam armas de fogo, nos tiros cruzados vários ivoirienses perderam a vida, mas a acção das forças francesas não ficou por ai, toda a técnica da Força Aérea da Cote D’Ivoire foi destruída. As relações com Gbabo nunca mais foram cordiais.
Na semana natalícia, o Presidente Zarkozy deu um ultimato à Gbabo, prometendo e já cumpriu colocar toda entourage do Presidente cessante sob sanções. O mesmo foi feito pelos Estados Unidos da América e pela União Europeia e não admira que daqui a nada Gbagbo seja acusado de crimes contra a humanidade e o famoso TPI emita um mandato de captura internacional, enquanto todos vamos apoiando o formalismo das eleições que levou ao poder Quattara que já nomeou como Primeiro-Ministro, Galaume Soro ex-chefe dos rebeldes que liderou o Governo Ivoiriense desde 2007 no processo de transição sob liderança de Gbagbo. Soro também está acusar o patrão de há três anos de anti-democrata, quando ele próprio é um dos responsáveis do início da crise.
e) A União Africana e a CEDEAO já reconheceram o Presidente Quattara que montou o seu gabinete num Hotel da capital cujos guardas são da ONU. A CEDEAO está a ponderar uma intervenção militar para breve, caso a 2ª missão dos três líderes da comunidade, de Cabo Verde, Pedro Pires; do Benim, Bony Yayi, e da Serra Leoa, Ernest Koroma não tenha sucesso, entende-se sucesso como o abano do poder por parte de Gbagbo.
As analises são prudentes, será que a CEDEAO está em condições de fazer uma intervenção militar num país que não está em guerra civil, não se trata de condições legais porque estas estão garantidas pelo consenso internacional, portanto não seria difícil encontrar mandato, mas condições materiais e humanas. O Uganda já manifestou a sua indisponibilidade para o envio de militares caso essa alternativa seja adoptada. A Nigéria seria o principal fornecedor, aliás está na presidência rotativa da organização, mas faltam menos de três meses para as eleições presidências e o país precisará de muitos efectivos, tanto militares como policiais: militares para a região petrolífera do Delta do Níger e policias para fazer face a instabilidade interna, sobretudo os conflitos étnico/tribais e o agudizar da tensão entre cristão e islâmicos com novas tácticas por parte dos muçulmanos radicais que estão a utilizar ataques suicidas contra alvos cristão, algo que não se via, pelos menos contra alvos de cidadãos nacionais;
O Senegal será outro país da região a fazer qualquer coisa, mas o Presidente Abdoulaye Wade está com a imagem desgastada internamente pelos fracassos que tem averbado nas tentativas de promoção do seu filho como principal sucessor, alias o filho perdeu as eleições na capital, mas o pai o nomeou para cargos ministeriais onde é actualmente o homem mais forte ao seu lado. Seria uma aventura enviar tropas para um país cujos resultados e o tempo da intervenção são desconhecidos. As experiencias da CEDEAO nas intervenções não são muito positivas, na Libéria e na Serra Leoa Charles Taylor conseguiu derrotar as forças da ECOMOG. O Senegal também saiu da Guiné-Bissau em 1999 derrotado pela Junta de Militar do Brigadeiro Ansumane Mane, levando o Presidente Nino para o exílio.
Por outro lado, não me parece que o derramamento de sangue seja justificado quando existem outros mecanismos que a médio/longo prazo poderão levar a comunidade regional à alcançar os objectivos.
É caso para dizer que o valor da democracia vária segundo o grupo que transgride as regras, se for poderoso fecha-se o olho, mas se não tiver assim tanto poder ou bons amigos ninguém tolera, enquanto isso vamos todos a reboque de quem tem poder de opinião através dos mass media.