terça-feira, 6 de dezembro de 2011

ANGOLA E A EXIGÊNCIA DAS CASAS DE GRAÇA

Belarmino Van-Dúnem


No programa Espaço Público em que o convidado foi o Governador da Província da Huíla, Isaac dos Anjos, tivemos todos a oportunidade de saber mais sobre a realidade politica, social e económica daquela província. Mas como não deveria deixar de ser, o governador Isaac dos Anjos fez algumas afirmações que servem de mote para a juventude angolana.
A primeira constatação é que nem tudo que se diz corresponde a verdade. Por outro lado, a verdade das coisas nem sempre é dita como deveria ser. Naturalmente que ficamos todos satisfeitos com a abertura, contundência e clarividência do governador. Mas deixando as questões provinciais para análises próprias, o Governador Isaac dos Anjos disse algumas verdades nacionais que merecem um aprofundamento e reflexão de todos e, faço o atrevimento de dizer, mesmo no continente.
A afirmação que me deixou profundamente em estado de reflexão foi a seguinte: “em todas as Nações do mundo, a juventude é o futuro, a Nação espera da juventude. No nosso país é a juventude que espera da Nação”. Há nesta afirmação tanto de sagaz como de profundidade. Mas o Governador foi mais longe na sua reflexão e disse: “ querem casa de graça e carro”, aqui jogando com o seu dom de oratória que ninguém lhe pode roubar.
A partir daquele momento fiquei a reflectir, fazendo o meu solilóquio e conclui que havia muito de verdade naquelas afirmações. A maioria dos jovens anda perdida em discussões de adorno, sem nos concentrar no essencial. Há muito que a juventude deixou ser contundente, não há valores comuns, o ter se sobrepõem a ser. Mas, o mais grave é que todos querem ter, sem o esforço necessário, uma espécie de predestinação para viver na bonança e na fartura.
Por um lado reconheço que a juventude angolana nos dias que correm, somos todos fruto do sacrifício. Não fomos educados, tivemos direito a ser criados. Quase todos crescemos como testemunhas oculares dos sacrifícios que as nossas mães e pais faziam para conseguir alimentos ou vestuários. A formação académica de base era deficitária, uma grande parte dos responsáveis pela família via-se impotente para fazer face às dificuldades. Sendo assim, hoje ainda nos vemos impotentes quando confrontados com a responsabilidade de sermos mais autónomos.
A fase da juventude alargou-se, normalmente nos consideramos jovens apesar dos 35 ou 40 anos de idade. Alias, essa ideia é alimentada pela sociedade que quando confrontada com um individuo pós independência é logo considerado jovem. Não vemos manifestações a favor de uma melhor educação, qualidade de vida, mais centros desportivos e recreativos. Jornadas da juventude sem partidos, reflexões sobre os valores a serem adoptados como sendo da juventude angolana. Eleição e criação de ídolos nacionais com base na meritocracia, na valorização do que é transversal à todos jovens angolanos independentemente da pertença partidária, valores e/ou religião.
Há uma sensação de desorientação total, existe falta de sagacidade e consciência de grupo. A tendência é desvalorizar quem faz com base na colónia e no acessório sem uma apreciação do essencial.
A entrega a lugares comuns, também se transfere para conversas vagas e deixam o pensamento vazio, em contra-partida todos opinam sobre tudo. Na verdade o objectivo é procurar desencorajar quem ainda acredita que é fazendo que se vai andando. Há jovens que merecem e têm dom, falta-lhe oportunidade. Mas existem outros e estão completamente desfasados da realidade e não se encontram neste mundo cada vez mais competitivo.

Ninguém vê as oportunidades só as dificuldades. Os desafios são vistos com desconfiança. Então o Presidente da República lançou o repto “Vamos construir um milhão de casa”, querendo corresponder aos anseios do povo que clama por uma habitação. A maior parte entendeu a frase como sendo uma responsabilidade do Presidente construir as casas e oferecer de graça as pessoas. Não, VAMOS CONSTRUIR UM MILHÃO, nós os angolanos e o presidente.
Há nesse desafio a nação uma janela de oportunidades para o país. Venda de fechaduras, portas, material de construção em geral. A juventude deveria reclamar nas administrações municipais o direito de construir em terrenos urbanizados, mais saneamento, mais água e mais energia porque o repto veio do líder da nação. Pelo contrário as pessoas querem casas de borla e ainda assim reclamam a qualidade das casa e o capim a beira da estrada, quando deviam tirar o capim e agradecer as casas de graça.
Devemos procurar ser mais realistas, crescer e assumir o nosso próprio destino. Não reclamar uma casa de graça, mas o direito de ter uma casa. Aproveitar a oportunidades, aceitar os desafios. Quem assumir o seu destino verá os seus dias melhor e terá a esperança renascida a cada amanhecer. Eu admiro aqueles que não atiram a toalha ao chão e lutam todos os dias, ao contrário daqueles que esperam pela nação.

TRÊS DEFICIÊNCIAS DAS DEMOCRACIAS EM ÁFRICA

Por: Belarmino Van-Dúnem

A realização de eleições em África começa a ser um desafio cada vez maior. Para alem dos constrangimentos materiais, há o problema da complexidade relativamente à organização de todo o processo. Mas a questão da mentalidade das pessoas ou dos líderes políticos também constitui um obstáculo para o sucesso dos processos eleitorais.
O continente Africano está a bater o record na realização de pleitos eleitorais, sobretudo a nível das eleições legislativas e presidenciais. Durante o ano de 2011, cerca de 34 Estados organizaram eleições gerais, alguns processos foram realizados com sucesso, embora na maioria dos casos houve sempre reclamações da parte perdedora, situação recorrente nos pleitos do continente.
Há necessidade urgente de se encontrar um paradigma ajustado ao continente e dentro do mesmo, uma adaptação a cada uma das realidades em concreto. Se alinharmos por uma avaliação dos processos democráticos em África chegaremos a conclusão que existe uma excessiva colagem aos sistemas ocidentais e como consequência verifica-se uma desadaptação total com todo o caos dos conflitos pós-eleitorais. Portanto, devemos ter a coragem suficiente para repensar os modelos democráticos para continente africano, pensando num sistema negro-africano, alinhado com a realidade social, económica, cultural e política da conjuntura e evitar a invenção de realidades utópicas, como por exemplo, pensar que a democracia pode ser implementada com 2 meses de campanha eleitoral onde participam menos de metade da população nacional.
Há três deficiências das democracias em África:
1. O Mito da Comissão Eleitoral Independente - Na maioria dos Estados africanos a comissão eleitoral, denominada independente, tem sido alvo de muitos protestos porque os partido acham que ela deve ser a mais independente possível, acreditando que essa seria a condição primaria para evitar a existência de fraude eleitoral durante o pleito.
Mas o paradoxo é que as discussões têm sido feitas a volta das pessoas que compõem a Comissão eleitoral e não propriamente sobre as normas que a Comissão eleitoral deve implementar para garantir que os processos de votação e apuramento dos votos sejam o mais transparentes possível.
Se analisarmos os processos eleitorais, quer em África ou no Ocidente, veremos que o Estado é responsável pela organização geral do processo. O que defere de um Estado para o outro é a vinculação que órgão eleitoral tem com a instituição do Estado, mas não restam duvidas que as instituições do Estado acabam sempre por determinar o caminho a seguir. Como as instituições do Estado são dirigidas por responsáveis indicados pelo partido que se encontra a exercer o poder, fica difícil aferir uma independência absoluta.
Por outro lado, não existe nenhum mecanismo para se comprovar a independência total de um determinado cidadão face aos partidos em competição política. Na RDC, por exemplo, o Presidente Kabila, nomeou um Pastor para dirigir a CENI (Comissão Eleitoral Nacional Independente), mas os partidos da oposição e os candidatos a presidência da república acusaram e acusam o pastor de ser próximo do Presidente que concorreu a sua própria sucessão.
Na Guiné Konacri foram a busca de um cidadão estrangeiro, General do exército e com uma experiência em processos eleitorais, mas no momento em que a Comissão eleitoral deveria anunciar os resultados um dos candidatos já estava a protestar os resultados. A Comissão teve que fazer uma moratória de 1 semana e só depois publicou os resultados finais. No caso, o Presidente interino se quer havia participado no escrutino.
O que deixa o cidadão boquiaberto é o facto dos partidos políticos prestarem pouca atenção ás leis e centrarem o debate nas pessoas. Penso que o foco da questão deve estar nos procedimentos e nas instituições, quem estiver a exercer a função deverá apenas garantir a implementação da lei e os concorrentes ao poder devem avaliar o processo ou os procedimentos. Se as pessoas responsáveis seguiram ou não os passos que foram determinados e se os mesmos fazem sentido para os próximos pleitos ou não e nunca questionar as pessoas, as pessoas só devem cumprir com o que está na lei e implementar. As leis e as instituições devem ser democráticas e o espírito democrático das pessoas deve ser certificado através do seu enquadramento na lei ou não.
2. Sistemas Desadequados a Realidade Nacional - Os sistemas democráticos, genericamente são divididos em três: Parlamentar; Presidencialista e; Mitigado ou Misto que, na sua maioria, podem ser adaptáveis a qualquer Estado, mas só se pode falar da sua eficiência e eficácia caso estejam adequados à realidade interna. Mas a necessidade de ajustar o sistema a conjuntura política nacional e a realidade sócio/cultural de cada Estado deve ir ao mais pequeno detalhe. Por exemplo, em Angola todos ficamos satisfeitos quando em 1992, apesar da UNITA ter iniciado um conflito armado, através da sua super-estrutura, o MPLA, depois de conseguir controlar mais tarde a maior parte do território nacional, fez questão de manter os lugares obtidos pela UNITA no Parlamento e eram preenchidos por deputados provenientes da própria UNITA, para alem de um governo de unidade nacional com a participação de todos os partidos com assento parlamentar. Mas, com vista a se adaptar a conjuntura da altura e evitar a guerra que acabou por acontecer, o Presidente José Eduardo dos Santos propôs ao então líder da UNITA o cargo de Vice-Presidente, facto que valeu ao Presidente da República o cognome de Arquitecto da paz. Esse é um bom exemplo de adaptação, mas também devemos lembrar da amnistia que em 2002 se deu a todos que estiveram no processo de paz, permitindo a sua plena participação no processo democrático, alguns dos quais hoje são parlamentares.
Esse exemplo não foi seguido na Cote D' Ivoire, embora o ex-presidente Gbagbo tenha tentado constituir um governo de unidade nacional com a indicação do líder rebelde, Guilaume Soro, no cargo de Primeiro-ministro, o processo nunca teve uma resolução definitiva ou pelo menos efectiva. O exército rebelde continuou activo e a comunidade internacional assistiu e incentivou a continuidade do status quo. O rebeldes controlavam o norte do país e recebiam apoio da França e chegaram a receber formação policial financiada e organizada pela ONU, factos que legitimavam a situação.
Mas o mau exemplo da Cote D'Ivoire vai mais longe. O ex-presidente Gbagbo que foi deposto em Abril de 2011, foi extraditado pelo seu próprio Estado para Haia afim de responder por crimes contra a humanidade (mortes, violação sexual, actos de persecução e outros crimes considerados desumanos). O próprio juiz do TPI, Luís Moreno-Ocampo não soube especificar quais são esses outros crimes considerados desumanos. Mas o que se pode considerar grave é o facto dos partidários e simpatizantes de Gbagbo terem abandonado o processo de reconciliação que está em curso e a capital, Abidjan, estar a enfrentar manifestações que podem desembocar em violência.
A crise ivoriense foi seguida com atenção e é do conhecimento geral que os crimes que servem de acusação para Gbagbo também foram cometidos pela ala que se encontra no poder, sobretudo da parte do actual primeiro-ministro que se apresentou sempre na qualidade de líder rebelde. Me parece que o processo de reconciliação nacional na Cote D'Ivoire está longe de ser alcançado e o método que o actual presidente, Quattara, está a implementar não é o melhor, solicitar aos artistas e a diáspora como epicentro da reconciliação nacional, excluindo os actores principais, alias o processo de conslidação da democracia está claramente minado, as eleições legislativas, marcadas para 2012 já estão em causa.
Os dois exemplos são sintomáticos, mas a falta de adaptação dos modelos de democracia são mais estruturais. Por exemplo, não se entende o facto da maior parte dos Estados africanos implementarem sistemas de representação parlamentar nacional cujo processo de eleição também é geral com base nos partidos políticos e legitimados pelo voto popular, um homem um voto, quando sabemos que as sociedades africanas são comunitárias em que o indivíduo fica diluído no social, para alem da questão relacionada com o analfabetismo.
A situação é tal que os partidos muitas vezes não se preocupam com os programas eleitorais ou com alternativas de governação, mas ficam presos as alianças étnicas/linguísticas, ao bairrismo, ao figurino histórico ou se apegam aos pontos frágeis do sistema para se afirmar, mas nunca apresentam o que é diferente, ou como seria se estivessem no poder.
Talvez se justificasse a existência de duas câmaras na maior parte dos Estados africanos, uma com legitimidade cultural/social e outra, câmara alta, com legitimidade eleitoral. Por outro lado, as autarquias deveriam garantir a representação local e não partidária, portanto teríamos um processo democrático sem partidos a nível local e a probabilidade de eclodir conflitos violentos a escala nacional por causa de um diferendo eleitoral local ou regional seria mais remota.
3. Excesso de interferência externa nos processos internos - Há a sensação generalizada em África de que o intervencionismo das potências ocidentais pode ser a saída para um mudança no poder, nem se quer podemos falar em alternância democrática porque embora os sistemas sejam democráticos, os líderes da oposição fazem queixas ao Ocidente. Alguns chegam a pedir a intervenção, apelando ao regresso do paternalismo.
Mas há uma espécie de determinismo por parte dos estadistas africanos em dar continuidade ao desenvolvimento da democracia política nos Estados africanos. Neste momento já estão previstos cerca de 20 pleitos eleitorais para o ano de 2012. Mas a realidade do aprofundamento da democracia nos Estados africanos está a ser contrariada pela retoma do intervencionismo que o Ocidente decidiu implementar como política externa para África.
Os EUA criaram um Comando para intervenção em África. O USAFRICON Command tem uma missão clara que é a de “defender os interesses nacionais dos Estados Unidos no sector da segurança, através do fortalecimento da capacidade de segurança dos Estados africanos”. Sendo essa a visão e a missão do AFRICON fica claro que os interesses nacionais dos EUA estão em primeiro lugar. A pergunta que se levanta é a seguinte: se o interesse primário do AFRICON é defender a segurança dos EUA, porque razão um Estado africano aceitaria a instalação desse comando no seu território? Porque não é necessário fazer grandes interpretações para concluir que o Comando fará a sua intervenção sempre que os interesses do EUA estiverem em causa, ainda que o facto aconteça no Estado onde os efectivos e a técnica estiverem instalados. Aliás, será tudo mais fácil caso isso aconteça. Por seu lado a OTAN fez uma intervenção na Líbia e me parece o prelúdio para outras missões em África, mesmo contra a vontade da União Africana, portanto dos africanos.
Sendo assim, cada vez mais chega-se a conclusão que os países africanos devem desenvolver mecanismos internos para assegurar a estabilidade e paz, procurando os modelos mais eficientes e eficazes para o aprofundamento da estabilidade interna e o bem-estar dos respectivos povos.