segunda-feira, 30 de abril de 2012

GUINE-BISSAU UM PAÍS ADIADO

 Por: Belarmino Van-Dúnem

Os últimos acontecimentos na Guiné-Bissau deixaram tudo e todos com o sentimento de que aquele país não terá viabilidade enquanto se manter o actual sistema de relacionamento do poder político com Forças Armadas.
Os militares vão passando despercebidos até que tomem a decisão de pôr fim a qualquer governo legitimamente instituído. Mas o que agrava a situação é o facto dos mentores desses golpes constantes contra a República ficarem incólumes e como se não bastasse, recebem incentivos com promoções e notoriedade internacional.
A história tem vindo a se repetir: Nino Vieira foi o primeiro a perpetrar um golpe militar e manteve-se como Presidente da República; Ansumane Mané, também primou pela mesma via, tendo se afirmando como Comandante em Chefe, cargo constitucionalmente reservado ao Presidente da República. Acabou por ser morto em combate contra as suas próprias tropas; Kumba Yala, sofreu um golpe de Estado branco, os militares deslocaram-se até a residência do Presidente e convidaram-lhe a deixar o poder, solicitação que foi acatada sem resistência.
Os golpes palacianos descem até as casernas, os Chefes do Estado-Maior da Guiné-Bissau não tem tido sorte diferente, volta e meia colegas de caserna acabam por colocar fim a vida de quem está a frente das Forças Armadas.
A comunidade internacional sempre acompanhou a situação na Guiné-Bissau, houve condenações, por várias ocasiões ameaçou suspender o país da organizações internacionais de que é parte, a CEDEAO ensaiou um intervenção em 1998, com o Senegal a liderar a ECOMOG (Braço Armado da CEDEAO), mas a operação foi mal sucedida.
O fracasso da missão de 1998 na Guiné-Bissau fez a mística das Forças Armadas guineenses. Há uma espécie de mito no seio dos militares guineenses que acham que são invencíveis e que devem controlar o poder político legalmente instituído, por esta razão, sempre que as chefias militares vêem o seu poder de influencia em causa, seja particular ou do colectivo militar, a primeira atitude é pôr fim ao poder político legitimamente instituído. Então a decisão das urnas é esquecida em nome dos militares.
Desta vez os militares foram ao extremo ao sugerir um Governo de Transição composto por partidos sem representatividade parlamentar.
Nino Vieira foi o único que manteve-se no poder na sequência do golpe de Estado de 1980. Naquela altura a conjuntura nacional e internacional era outra, os conceitos de soberania e de não ingerência nos assuntos internos dos Estados eram venerados. Mas actualmente é impensável o que os militares guineenses propuseram no suposto Acordo com os partidos da oposição: um governo de transição que irá governar a Guiné-Bissau por dois anos. Findo os quais, o poder seria entregue aos civis através de eleições simultâneas, presidenciais e legislativas.
O Acordo assinado entre o Comando Militar e os Partidos Políticos da oposição afirma no artigo I o seguinte:"1- O Comando Militar declara inequivocamente a transferência do poder aos civis.
2 - O Comando Militar, voluntariamente e após a tomada de posse do poder civil instituído, nomeadamente o Presidente da República de Transição e o Conselho Nacional de Transição e o Governo de Transição, regressará as casernas com espírito de submissão ao poder político".
É uma espécie de legitimação do golpe a moda antiga, o Acordo afirma que só será respeitado o poder judicial e o militar, sublinha ainda que os Partidos signatários acordaram em manter a Chefia Militar vigente. Este ponto é claramente despropositado porque todos nós sabemos que o contrário não era possível, ou seja, destituir o Chefe do Estado-Maior por desrespeito a Constituição da República e traição a pátria.
A Comunidade Internacional está a perder terreno e as divisões já se fazem sentir. A CEDEAO parece dar a sua bênção ao Governo de Transição porque foi depois da visita da delegação daquela organização à Bissau que o Comando Militar anunciou a intenção de negociar com os partidos da oposição a via para consolidar o Golpe de Estado.
Por outro lado, enquanto a União Africana suspendeu a Guiné-Bissau de todas as actividades da organização, não se compreende como é que a CEDEAO convidou o Comando Militar para participar na cimeira extraordinária, tendo a delegação guineense viajado num avião da Costa do Marfim que se deslocou a propósito para Bissau.    
Nada garante que desta vez os militares vão voltar para as casernas e que irão respeitar o poder político democraticamente eleito. Por está razão não se compreende a complacência da CEDEAO com relação ao Comando Militar.
Há necessidade da comunidade internacional ajudar a Guiné-Bissau e os Guineenses a encontrar a paz política e democrática definitivamente. Caso o Comando Militar consiga efectivar a instituição de um Governo de Transição haverá um precedente gravíssimo no continente africano. Por isso corroboro plenamente com o posicionamento de CPLP, pondo a possibilidade de uma intervenção militar.
Esta é uma acção que há muito tempo se espera da CPLP, as chefias militares teriam que ser submetidas ao poder político para que compreendam de uma vez por todas que Golpes de Estado já não fazem parte da paisagem política do mundo moderno.
A novidade é o facto da CEDEAO ter manifestado a sua prontidão para enviar um contingente de 638 efectivos composto por militares da Nigéria, Costa do Marfim, Senegal e do Burquina-Faso. Só não está claro se essa força irá obrigar o Comando Militar a repor a legalidade constitucional incondicionalmente. Para além disso, porquê que só agora a CEDEAO tem essa disponibilidade quando há anos se solicita o envolvimento daquela comunidade económica regional. È essa falta de convergência de estratégias para a resolução dos problemas que faz de África um continente onde o caos vai reinando em certos países; Coisas de África!


domingo, 1 de abril de 2012

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

A AUTORIDADE NA EDUCAÇÃO

Por: Belarmino Van-Dúnem

A autoridade do mestre, actualmente Professor, sobre o discípulo ou aluno sempre foi problemática ou ambígua. O dilema consiste no facto do mestre ou Professor aparecer como aquele que tem mais experiência, conhecimento, domínio teórico e prático dos conteúdos que permitem uma intervenção consciente, eficiente e eficaz no meio em que o indivíduo está inserido.
Mas ao longo do tempo a realidade tem mudado e não são raros os casos em que o discente tem mais experiencia de vida vivida que o mestre. Por outro lado, a expansão dos meios de comunicação e informação possibilitaram ao discente o acesso à um conjunto de informações que podem escapar a lupa investigava do mestre, logo a autoridade baseada no status de perito, por parte do docente entra numa espécie de decadência.
O filósofo Olivier Reboul (1925-2002), no seu livro Filosofia da Educação apresenta seis tipos de autoridade (contracto, perito, árbitro, modelo, líder e a do Rei-pai). A primeira forma de autoridade (contracto) baseia-se no facto de cada uma das partes estar ligada pelo seu próprio consentimento. É a autoridade da regra sobre os jogadores, portanto, a sua infracção significa fraude ou batota. No segundo caso (o perito) consiste na autoridade do homem cujo conselho se segue sem mesmo compreender, porque se reconhece a sua competência, “tem autoridade” na matéria. Este tipo de autoridade se exprime por avisos, por relatórios, por prescrições médicas, sempre por conselhos. A sua infracção não é considerada batota, mas uma imprudência que pode ser fatal.
A terceira, do (arbitro) é menos racional que as antecedentes, o arbitro no caso dos desportos, mais também o juiz. Dirime um conflito por uma decisão que o arbitro nem sempre deve justificar, porque está previamente justificado a dá-la. Pensa-se que mais vale um veredicto mesmo arbitrário que põe fim ao conflito do que um conflito sem fim. A infracção a decisão do árbitro significa desobediência. A quarta autoridade é a do (modelo), este tipo de autoridade é a mais duradoira, porque o seu fundamento não é uma necessidade de ocasião, mas o prestigio que sobressai do modelo e a admiração que ele suscita. Aqui a infracção surge como incultura.
A quinta autoridade é a do (líder) este tipo de autoridade tal como a anterior assenta no prestígio, mas o prestígio do líder força os outros menos a imitá-lo do que a segui-lo. Aqui o seguidor sofre a dupla necessidade de admirar e de obedecer, no sentido em que a obediência pacifica e dispensa de querer. Os adultos o acham inumana ou deficiente e os jovens cerram fileiras atrás dos chefes.
A última, a mais irracional, é a do (Rei-pai). Aqui a autoridade existe antes de toda a explicação, antes de toda a discussão, ela já está ali, inexplicável e irrevogável. Portanto, aquele que exerce este tipo de autoridade representa a civilização, à qual o indivíduo deve ser elevado, mesmo antes de a compreender. É uma espécie de “direito divino”, a autoridade do adulto sobre a criança.
Depois estarem expostas as seis tipologia de autoridade resta saber qual delas é desejável na educação e como os professores em Angola lidam com a sua autoridade, mormente no ensino superior.
Não existem dúvidas que na educação deve prevalecer a autoridade do perito. O Professor é uma espécie de “pessoa - recurso” que vem em ajuda dos alunos e lhes fornece as explicações que eles pedem, mas também é desejável a autoridade do árbitro , surgindo sempre que existam conflitos ao longo do processo de ensino/aprendizagem. É desejável que o “perito e árbitro” tenha também a autoridade do modelo, porque o discente deve ver no docente um modelo e respeitá-lo não pelo contracto, mas por reconhecer nele autoridade e competência para atingir o projecto final que os coloca no mesmo circulo.
Uma análise factual do sistema de ensino em Angola, demonstra que os discente são colocados perante modelos impostos, ou seja, o Professor aparece como modelo a seguir, não pela sua competência e capacidade, mas porque existe um contracto entre este e a instituição de ensino. Portanto trata-se de uma autoridade funcional, que se legitima só pela necessidade que dela se tem e que, nem em poder nem em duração, pode exceder a sua função.
Os alunos devem ser considerados como livres, nos novos sistemas de educação, denominados de educação nova, o processo de ensino/aprendizagem não está sujeito aos programas oficiais. Os discentes aprendem o que lhes incentiva mais, por exemplo, podem escrever uma narrativa em vez de lhes ser imposto um autor. Aprendem a autonomia sendo autónomos, a cooperação, cooperando, a democracia através da sua prática.
As dificuldades que encontramos estão relacionadas com o facto de algumas pessoas se comportarem como neuróticas a autoridade, abdicam de todas as responsabilidades pessoais, enquanto outros a rejeitam nas suas formas mais modestas e necessárias. A autoridade deve ser moderada e exercida dentro dos parâmetros que permitam o desenvolvimento do ensino e aprendizagem.

*Reflexão feita com base em: Reboul, Olivier (2000), Filosofia da Educação, Edições 70, Lisboa.

MALI: ASCENSÃO E QUEDA DE UM PRESIDENTE

Por: Belarmino Van-Dúnem

A República do Mali foi uma das ex-colónias francesas que alcançou a sua independência em 1960, sob a liderança do pan-africanista Modibo Keita que faleceu na pressão em 1977. O Presidente Mobibo Keita não conseguiu resistir no poder por mais de 2 anos, tendo sido deposto num Golpe de Estado em 1962.
O Comité Militar de Libertação Nacional (CMLN) foi liderado por Moussa Traoré que, depois de suspender a constituição formou um novo governo e fez reformas politicas radicais, tendo declarado a formação da União Democrática do Povo Maliano (UDPM) como único partido legal, portando o sistema de monopartidarismo.
No ano de 1979, o Presidente Traoré ensaiou eleições gerais, tendo sido eleito. O processo eleitoral foi repetido em 1985 com os resultados a confirmarem as previsões, o Presidente Traoré, mais uma vez, venceu o pleito sem grandes dificuldades.
Os ventos da democracia que assolaram toda África ao sul do Saara nos anos 90, tiveram grande influência no Mali.
No ano de 1991 foi a primeira aparição politica do actual Presidente, Amadou Toumani Touré, deposto na noite de 21 para 22 de Março de 2012. Depois de dissolver o Governo do UDPM e de suspender a constituição, o oficial das Forças Armadas, Touré, pára-quedista com formação militar na ex-União Soviética e em França, foi indicado como Presidente interino, tendo organizado as primeiras eleições consideradas livres e justas pela comunidade internacional em 1992.
Na sequência do pleito eleitoral saiu vencedor, Alpha Oumar Komaré, considerado o primeiro Presidente do Mali eleito democraticamente. O processo eleitoral que culminou com a vitoria de Komaré em Abril de 1992 fizeram de Amadou Toumani Touré uma referência política em África, foi o segundo Chefe de Estado em África que retirava-se do poder na sequência de eleições democráticas, o primeiro exemplo havia sido dado por Olusegun Obasanjo da Nigéria.
O oficial das Forças Armadas malianas, ostentando a patente de General, ganhou gosto pela política. Não tardou, Amadou Toumani Touré retirou a farda e transformou-se num diplomata de prestigio, tendo chefiado a Missão da ONU para o processo de paz no Ruanda e no Burundi na qualidade de facilitador, posteriormente foi indicado como enviado especial do Secretário-geral da ONU, Kofi Anan para a República Centro-Africana e tornou-se membro da Fundação Cárter.
O diplomata dos bons ofícios em África, afinal tinha os olhos no seu próprio país. Enquanto se dedicava às actividades de mediação, foi criando as bases políticas internas para o seu retorno a política activa e, só foram necessários dez anos para que Amadou Toumani Touré anunciasse a vontade de concorrer para o cargo de Presidente da República, facto que veio a se concretizar em 2002.
A popularidade de Touré era tão consensual que conseguiu vencer as eleições sem o apoio de um partido político específico, alias o presidente deposto não é militante partidário, governa com base numa coligação de partidos políticos.
O primeiro mandato de Amadou Toumani Touré correu sem grandes sobressaltos, tendo sido reeleito em 2007 com cerca de 68 por cento dos votos. As capacidades de negociação e liderança do presidente deposto começaram a ser postas em causa no inicio de 2012 quanto uma rebelião, composta maioritariamente por indivíduos pertencentes a etnia dos tuaregues, tomou de salto várias cidades no norte do país, perante a incapacidade das Forças Armadas Nacionais em repor a Unidade Nacional, situação já vivida pelos malianos na década de 60.
O grupo rebelde que se auto-denomina de Movimento Nacional de Libertação de Azawad (MNLA) tem o domínio de várias cidades do norte do país e está melhor equipado do ponto de vista de meios militares, tendo ficado mais forte com armamento e guerrilheiros provenientes da Líbia. Por outro lado, emergiu um grupo islâmico, os Defensores do Corão que controlam algumas cidades, ao contrário do MNLA que reclama a secessão do norte do país, os Defensores do Corão almejam uma lei charia para o Mali.
Os militares que declararam o Golpe de Estado na madrugado do dia 22 de Março de 2012, justificaram a acção com base na fraca resposta do poder central face a situação no norte do país, por outro lado, afirmam que não havia certeza que as eleições do próximo dia 29 de Abril de 2012 teriam lugar.
Face a situação os militares criaram o Comité Nacional para a Recuperação da Democracia e a Restauração do Estado. A constituição e todas as instituições públicas do país já foram suspensas. Os militares prometem entregar o poder aos civis depois da realizarem eleições livres e justas, mas não adiantaram datas.
As reacções da comunidade internacional já começaram, existe unanimidade na condenação do acto e tudo leva a crer que os militares não conseguirão manter-se no poder por muito tempo. Até porque o golpe de Estado é despropositado e sem fundamento, o Presidente Touré já estava no fim do seu segundo mandato. Alias, os próprios golpistas não apresentaram uma solução de médio, curto prazo para pôr fim a rebelião no norte do país.