quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

O RENASCIMENTO DO PANAFRICANISM0


Por: Belarmino Van-Dúnem

A Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo da União Africana de 2013, teve como lema principal o "Renascimento do Pan-africanismo". Este lema carrega um simbólismo e histórico muito grande, é fonte de inspiração e de esperança para maioria dos povos africanos que continua a ver a sua expectativa de melhores condições de vida gorada.
Os líderes africanos pós-independência herdarem um continente que se encontrava a margem do sistema internacional. O cenário das relações internacionais foi projectado para privilegiar as potências vencedoras da segunda guerra mundial. Esta realidade tem dificultado os Estados africanos cuja autodeterminação só aconteceu a partir da primeira metade da década de 50.
O espirito panafricanista tem evoluído ao longo do tempo e, como toda evolução acarreta mudança, o panafricanismo actual pouco ou nada tem de semelhante com a teoria panafricanista defendida pelos descendentes de escravos africanos no Caribe, Estados Unidos da América e na Europa.
 A perspectiva mudou lá e aqui em África: os descendentes dos africanos nas Américas ou na Europa já não defendem o seu retorno para África nem sonham com uma África idílica, de liberdade e fartura. Por outro lado, os Africanos já não clamam por autodeterminação e um dos princípios dos Estados é a defesa da soberania e integridade territorial, ao contrário das confederações defendidas por muitos líderes nas décadas de 50/60. Alias, mesmos os descendentes de africanos que emigraram para a Europa e EUA depois das independências clamam por uma integração como cidadão daqueles países, para os descendentes dos europeus em África a realidade não é diferente, também reclamam a cidadania dos respectivos países.  
O pan-africanismo (África no centro de tudo) tem contornos revisionistas em África. Os líderes estavam divididos, entre os que defendiam uma África próxima das metrópoles ou ex-colonizadores e os que apregoavam uma ruptura com os antigos opressores. A divisão era tão estrutural que se formaram dois grupos: o grupo de Brazzaville, integrado pelos países que defendiam uma aproximação à metrópole e, o grupo de Casablanca que apregoava ruptura. A terceira via foi defendida pelo Imperador da Etiópia, Haille Salassie, dando origem a OUA 1963, transformada em União Africana desde 2000.
Há uma tendência para se criticar os Estados africanos por uma suposta má governação e administração das riquezas nacionais. Na base dessas criticas está o facto do paradigma de analise ser importado do Ocidente ou seja, os critérios para se avaliar são os mesmos, ainda que se saiba que o Estados estão a partir de metas diferentes, os hábitos e costumes não são os mesmos e os recursos, tal como a sua exploração e gestão não obedecem os mesmos critérios. A intervenção nos assuntos internos dos Estados é defendido de forma irrepreensível por todos, mas há uma incapacidade material e estrutural para fazer vincar esse princípio. A incapacidade dos Estados é transmitida às organizações regionais e continentais, fazendo com que as potências coloniais e os EUA encontrem sempre margem para intervir económica e politicamente nos assuntos de África.
A União Africana ao realizar a sua Cimeira anual sob lema do Panafricanismo levanta algumas questões que são recorrentes nos últimos vintes, trinta anos. A primeira está relacionada com a necessidade de se reconhecer que a geoestratégia da maioria dos Estados africanos que tem uma dimensão transcontinental, sobretudo devido a geoeconomia dos países industrializados, incluindo a Africa do Sul, Índia, Brasil, Rússia e a China, cuja diplomacia economia traspassa as suas fronteiras, pousa da caça para obtenção de recursos energéticos e minerais.
A falta de competitividade dos Estados africanos é um dos factores que retarda a implementação dos ideais pan-africanistas ajustados a nova era da economia global. Penso não ser possível falar de um Panafricanismo puro, independente e isolado dos problemas e das dinâmicas do mundo actual, pelo contrário, o Panafricanismo deve renascer com uma visão futurista, visando uma África voltada para o mundo e não para si própria.
Durante a 20ª cimeira decorria em Addis Abeba de 21 a 28 de Janeiro de 2013, os Estados africanos preparavam as condições para uma possível participação na força de reposição da paz, soberania e ordem no norte do Mali. Alguns Chefes de Estados concentraram-se na situação da República Centro-africana que, por um triz, cairia nas mãos dos rebeldes, a RDC, como sempre, também preocupava na região do Kivu e, para não falar da porosidade da fronteira com o Ruanda e o Uganda de onde saem os maiores problemas.
 Enquanto outros prepararam e afinavam os discursos para a cimeira que, pela primeira vez, iria decorrer sem a relevância dos países da África do norte que estão debilitados internamente. Nunca é de mais lembrar que entre os cinco maiores contribuintes da União Africana, três países estão situados geograficamente na África do Norte (Argélia, Egipto e Líbia).
Enquanto a dinâmica das relações internacionais africanas é essa, resolver problemas sem meios nem soluções estruturais e duradoiras, a França avançou para o Mali, enfrentou os rebeldes no norte do país e levou os Estados africanos de reboque. Claro que os gasodutos e o petróleo da região tiveram um peso importante, mas a pergunta é: deverá um Estado agir de forma diferente da França? Claro que não! São recursos essenciais para a manutenção da indústria e consequentemente do emprego e do bem-estar da população europeia que enfrenta uma crise económica e financeira que faz lembrar os anos 30.
O renascimento do pan-africanismo deve ter no centro a valorização do Homem e da Mulher africanos, aumentar a capacidade de gestação das dinâmicas políticas e sociais internas, defender uma visão transaccional e continental, capitalização dos recursos internos e captação de outros recursos fora das fronteiras, aprofundamento da segurança nacional no sentido lato, aposta no desenvolvimento da massa critica e, dinamização de uma sociedade para o futuro. Assim teremos um pan-africanismo porque de forma diferente a situação manter-se-á eternamente.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

A REVOLUÇÃO EGÍPCIA E A DISILUSÃO

Por: Belarmino Van-Dúnem
 
Nas comemorações do segundo aniversário da revolução egípcia, o país ficou dividido entre os apoiam as reformas políticas e sociais com a mesma tendência religiosas para todos, uma espécie de islamização do Estado. Noutro lado, os que acusam a irmandade muçulmana, no poder, de estar a trair os preceitos que levaram o povo egípcio a se unir contra o regime do Presidente Mubarak.

No dia 11 de Janeiro de 2011, o Presidente Mubarak abdicou oficialmente do poder na sequência das manifestações em todo o país, com destaque para a Praça Thair cuja fama tem ombreado, nos últimos dois anos, com as Pirâmides. Nas manifestações participaram todas as tendências políticas, a vitória foi atribuída ao povo, mas na verdade por detrás de todo o alvoroço estava o poder da Irmandade Muçulmana que a muito procurava uma oportunidade para pôr a prova a sua popularidade que não era desconhecida pelo regime no poder e pelas potências ocidentais que têm uma fobia visceral da islamização da sociedade, medo que se agudizou depois do fatídico acontecimento do dia 11 de Setembro em Nova Iorque.

O resultado do pleito presidencial no Egipto não foi novidade, a irmandade muçulmana venceu, embora um terço da população tenha votado contra, mostrando a diversidade religiosa e cultural existente naquele país do norte de África que desempenhava o papel de equilíbrio região, sobretudo nos tempos do Presidente Mubarak.

Depois da vitória, o Presidente Mohammed Morsi mostrou-se equilibrado ao se distanciar das tendências radicais, fazendo discursos inclusivos e pouco ou nada fez contra as altas figuras do antigo regime, alias os militares continuavam a ser os timoneiros do país de facto. Mas foi sol de pouca dura! O Ocidente tentou puxar por Morsi, dando-lhe destaque num dos últimos embates entre Israel e o Partido Hamas da Palestina. Na altura, Hillary Clinton afirmou: "o Presidente Morsi está a mostrar que quer ser o líder da região e o Egipto irá retomar o seu papel de potência na região e no conjunto dos países árabes".

“A realidade é como o azeite, soube sempre”, o Presidente Morsi propôs um referendo para aprovar uma Constituição que lhe dá poderes absolutos, inclusive acima do parlamento. As regras de convivência social foram claramente islamizadas e as liberdades individuais e colectivas profundamente trinchadas. As mulheres e as pessoas sem confissão religiosa foram claramente atingidas, a luz da nova constituição, é proibido ser laico. A ciência e a investigação devem estar ao serviço da verdade de deus.

As pessoas ficaram boquiabertas, mas o Presidente Morsi já mostra o que pensa e qual o seu verdadeiro sentido de governação, o islão deve estar no centro das decisões, dentro e fora do Egipto. O facto de ter manifestado que é contra a intervenção francesa no norte do Mali criou um grande mal-estar na cimeira da União Africana.

Os egípcios continuam a ir para a Praça Thair, clamando por mais liberdade, igualdade e unidade da Nação. A irmandade muçulmana faz ouvidos mocos, e afirma que em democracia quem vence governa os restantes cumprem. Estamos perante a ditadura da democracia, mas o que esperar quando todos sabíamos que nas sociedades de maioria islâmica a tendência é homogeneizar a sociedade e anular a diversidade.

No caso da Primavera Árabe, posso afirmar sem reservas que o inverno político ainda está a começar porque, pelo andar da carruagem, no norte de África vai cair granizo e a estabilidade tardará. A revolução está a ser uma autêntica desilusão.

 

FRANÇA/AFRIQUE: LONGA ODESSEIA



Por: Belarmino Van-Dúnem

A odisseia francesa pelo continente africano é muito longa e, entre altos e baixos, a França tem estado umbilicalmente ligada às intervenções nos Estados Africanos. A intervenção começou na Argélia, perante a revolta de Cabilia, cujo saldo estima-se em mais de 20 mil mortos argelinos. No ano de 1947 enfrentou mais uma insurreição numa das suas colónias em África, desta vez no Madagáscar, a intervenção da França para manter o seu domínio no arquipélago africano custou a vida a mais de 80 mil malgaxes.

A partir dai, a contestação dos territórios africanos foi aumentando, a solidariedade da revolução árabe foi essencial para o incentivo, uma vez que motivos não faltavam, para que os Estados da África subsaariana intensificassem a sua luta contra o domínio colonial. Tendo em conta o drama das duas tentativas anteriores de conter a sublevação dos povos oprimidos de África, a França arquitectou uma imensa e complexa estratégia de neocolonialismo para África, cujas consequências persistem.

No ano de 1956, a França viu-se obrigada a ceder face ao desejo de autodeterminação do Reino dos Marrocos, da Tunísia e do Sudão. O Egipto foi o primeiro Estado, dentro da revolução árabe a rebelar-se contra a ocupação europeia em África, alcançou a independência em 1952, na sequência do golpe militar que derrubou o regime do Rei Faruk que permitia uma espécie de semi-colonialismo no território. A Argélia só veio a alcançar a sua independência em 1962 depois da Frente Nacional de libertação (FNL) ter liderado uma guerra sem tréguas contra a França desde 1954.

A França aproveitou o facto da maior parte dos Estados africanos ter clivagens internas e regionais muito acentuadas. Os líderes africanos tinham rivalidades internas que transvazavam as fronteiras nacionais, em função dos interesses ou ambições pessoais, era decidido à que grupo dar apoio ao nível continental. No contexto das rivalidades internas, os golpes e contragolpes foram acentuados.

No continente africano surgiram líderes com carisma e determinados a lutar contra a opressão colonial, Mobido Keita, Leopold Senghor, Sekou Touré, Kwame Nkrumah, Julius Nyerere, inclusive Gamal Abdel Nasser e Patrice Lubumba eram motivo de preocupação para as potências ocidentais. Essa situação agudizou-se quando se decidiu que as tropas francesas e inglesas tinham que se retirar do Canal Suez, a partir dessa data ficou claro que as mudanças no cenário internacional eram irreversíveis.

A França forjou a estratégia do Grupo de Brazzaville em 1960, liderado por Senghor, faziam parte do Grupo a maioria das ex-colónias francesas, o primeiro Presidente da Cote D'Ivoire, Félix Houphoet-Boigny, tornou-se num dos principais impulsionadores e defensores desse grupo cujo principal objectivo era defender uma espécie de semi-independência para os Estados africanos. Defendiam a independência política e uma autonomia económica com limitações na política externa. No ano de 1961 surgiu o Grupo de Casablanca liderado por Nasser, com o objectivo de contrapor o grupo anterior.

A Presença francesa em África sempre foi efectiva porque, fruto da guerra fria, os EUA e o Reino Unido cederam a responsabilidade da segurança em África à França. As tropas francesas estão estacionadas no Senegal, na Cote d´Ivoire, no Gabão, Chade e Djibouti. Embora o número de efectivos diminuiu significativamente durante a década de 90, mas com ascensão do Presidente Sarkozi houve um retorno à África.

Os acordos de defesa e segurança são os principais instrumentos que a França utiliza para legitimar as intervenções nas ex-colónias. A França tem acordos com a Mauritânia, Senegal, Mali, Guiné, Cote d’Ivoire, Togo, Benin, Camarões, Níger, Chade, Burquina-Faso, Gabão, RDC, República do Congo, Burundi, Djibouti e Comores.   

A intervenção francesa na Costa do Marfim que levou a queda de Laurent Gbagbo e consequente prisão pelo TPI, assim como o derrube do regime do Presidente Kadafi foram os sinais claros do retorno da França à África depois de uma década e meia de retiro. A intervenção do exército francês que está a decorrer no norte do Mali, embora tenha efeitos positivos e substitui a inercia dos africanos, dará a França a dimensão de potência mundial que sempre almejou.